quinta-feira, maio 11, 2006

VERSO ABSTRATO, POESIA CONCRETA*

Foto: Diogo Sarmento

É dentro do seu quarto, seu mundo provisório, que se inquieta sem querer sair. Faz um rabo-de-cavalo, põe uma roupa velha e lambuza as mãos de tinta ou de cola. Espalha pelo chão recortes de revistas que são mãos e bocas e braços abraçando. É dentro do seu quarto que as palavras lhe interrompem e ela lava as mãos de tinta e corre pra caneta. Nada sai e se agonia. Vai pra sala e busca um livro: lê um pouco mas ainda não é isso.Corre novamente pra caneta e o papel em branco a assusta. Trepa em cima da folha, se sacode toda: nada sai, nem uma moedinha sequer. Senta-se humilde, pedindo à palavra "uma esmolinha peloamordedeus!!!" E alguém de dentro dela abre uma porta e deposita na mão vazia um versinho miserável pro almoço. Tá tão desnutrida que não nega e agradece; como aquilo devagar fingindo que é bom, mas a fome volta em pouco tempo.
E esse quarto vai ficando tão pequeno que recolhe as gravuras espalhadas. De volta às tintas mergulha as duas mãos sentindo a viscosidade na pele como uma espécie de carícia. E é tão bom que fecha os olhos de estremecimento. Lembra do toque daquele moço bonito que ela não diz o nome porque finge que esqueceu. E com os respingos de tinta na calcinha, espalha versos eróticos pelas pernas perdendo a razão e se fazendo de tela com as mãos-pincéis das cores prediletas. Desenha no seu corpo imagens abstratas vestidas de vários azuis e amarelos e vermelhos. Lê na caixinha de tinta "não tóxico" e continua a extravagância. Ao seu lado, o branco repousa imóvel no papel; acha sem-graça e senta em cima. Vai desenhando, sem as mãos, sua bunda, seus joelhos, um seio, a curva tímida da sua cintura. Fica escrita, colorida, no papel.

" Pintei um verso abstrato, falta a poesia concreta", pensou. E termina a cena escrevendo no espaço que sobrou:

A
MA
NHE
CI
PESSOA
EN
TAR
DE
CI
ARCO-ÍRIS...

. (Marla de Queiroz_ Brasília, 2000.)

6 comentários:

Su. disse...

Depois de um almoço a correr, em que o silêncio reinou pela módica quantia absurda de sempre, provocada por mais uma discussão sem conteúdo...

Chego, e Exausta de frustrações alheias, em vez de números inumeros
venho-te beber… e mesmo saciada, vejo-me sofregamente a sorver, toda a substância desta tua porção que me alimenta, não só a alma, mas cada partícula mais ínfima do meu ser.

Elenita Rodrigues disse...

lindo...
choro.

Su. disse...

Tem palavras que nos fazem voltar a traz, só para ter o gosto de as sentir de novo... como certos odores que nos embriagam, que nos viciam.

ah! como te gosto pessoa!

Elenita Rodrigues disse...

e vc já sabe que vou roubar a foto? =)

Anônimo disse...

Nice idea with this site its better than most of the rubbish I come across.
»

Anônimo disse...

You could easily be making money online in the hush-hush world of [URL=http://www.www.blackhatmoneymaker.com]blackhat hacking[/URL], It's not a big surprise if you haven’t heard of it before. Blackhat marketing uses not-so-popular or misunderstood methods to generate an income online.

Postar um comentário

A poesia acontece quando as palavras se abraçam...