terça-feira, maio 29, 2007

TALVEZ...ou repensando a minha vida*

Foto: Thiago Soares


Talvez a verdadeira intimidade eu só tenha buscado com as palavras, e tenha me entupido delas no momento em que poderia estar aprendendo alguma coisa com alguém. (Faço um muro de palavras entre mim e as pessoas. Sou autoexplicativa só pra confundir.)


Talvez eu tenha nascido para uma vida desapaixonada e culta. Talvez eu nunca tenha olhado verdadeiramente o outro, e só tenha visto o texto pronto que criei pra ele. Talvez eu não conheça o que julgava conhecer. E isso me entupiu de certezas que eu não soube abandonar ao longo do caminho.


Uso palavras para não sofrer, para plagiar uma dor, pra fingir que sou leve e que está tudo bem. Uso palavras pra falar de uma chuva que talvez eu não conheça porque não me permiti ficar encharcada dela. E ela virou a metáfora de um relacionamento_ o que pode ser tristemente poético.


Talvez eu só tenha sentido saudade pra falar de outras coisas. Pra usar a palavra "saudade" mesmo, que eu adoro. Acho que estou muito cansada. Falei demais das coisas e , no entanto, não toquei verdadeiramente em nada. Observei e descrevi, cheia de filtros semânticos. Dentro da minha limitação eu interpretei o Universo para que eu coubesse nele, em mim. E alienei as pessoas dentro de conceitos. E arranjei um sentimento pra cada coisa. E pensei que assim, tudo estaria em ordem, sob controle.Eu que me julgava não julgadora, me considerava livre, agora tendo que empurrar as grades dessa prisão de certezas que criei pra mim. Sem poder culpar ninguém. Usando um discurso de alguém que não quer magoar o outro pra descobrir que no fundo só me importei comigo mesma e com os meus medos. Não deixei que o outro experimentasse o que havia de melhor ou de pior em mim. Não deixei que ele escolhesse.Mantive o muro de palavras e o meu discurso pronto pra continuar a salvo do outro lado. Eu que sempre falei de pontes...


Talvez eu seja uma farsa. Talvez eu seja virtualmente inacessível. Alguém que se entope de adjetivos pra entender as coisas e dizer que não se preocupa em entender nada. Eu que sempre falei de amor, não amei o outro em toda a dimensão da pessoa que ele é. Talvez eu tenha me preocupado mais com as vírgulas que não usei nas cartas de amor que escrevi, que com as pessoas que as receberam e que se julgaram amadas.


Talvez eu só tenha dançado pra fingir que gostava de música. Talvez eu só tenha bebido pra fazer parte de um círculo social. Talvez eu só tenha aceitado certas coisas pra poder ser chamada de amiga_ e usei levianamente a palavra amizade.Talvez eu tenha me apaixonado diversas vezes pra fazer parte do círculo de pessoas que sorriem diferente porque estão amando_ e sofri as carências que intercalam as paixões como se fossem reais. Talvez eu tenha rompido relações pra escrever cartas de despedida e mostrar como eu dominava a dor ao escrevê-las. Talvez eu só tenha experimentado as relações dentro da literatura.


Acho que estou realmente cansada. Falei demais sobre tudo e continuo no escuro. E a minha recusa em tocar nas coisas me impede de sair tateando em direção à luz. E mais uma vez eu uso palavras pra tentar me defender de algo, de mim.(Talvez eu precise parar de ler Clarice Lispector... )


Talvez eu devesse escrever uma carta em branco pra dizer que quero silenciar: que se o silêncio ainda estiver esperando por mim, eu aceito. Preciso esquecer as palavras, preciso me despedir delas para começar a experimentar a vida com honestidade. Talvez silenciando eu consiga ser mais honesta com você. Eu que precisei escrever tanto pra dizer isto: que preciso silenciar.


(Talvez eu só tenha escrito isso tudo pra conseguir chorar... E usar a palavra "talvez" pode ser o início do abandono de tantas certezas; o início do uso mais corriqueiro da frase “eu não sei".)


Talvez isso seja um começo de alguma coisa.

Talvez isso seja um fim.

Talvez sejam apenas hormônios...

Mas isso tudo se parece muito com tristeza...

EU NÃO SEI.

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EU SOU ESTAS RETICÊNCIAS ENTRE PARÊNTESES: (...)

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Marla de Queiroz

*Texto republicado

domingo, maio 27, 2007

Vislumbrando complementos


Foto:Pedro Gomes


Palavras compõem bilhetes, cartas, textos...citações que confessam antíteses.Músicas compõem reticências.Aspas comportam parágrafos. Trechos em itálico, lirismo.Parênteses de livros,citações.Violinos confessam saudades.Sentimento amarrotado habita pessoa.Um ponto final ou uma vírgula. Você quem sabe, poesia. Interrogação?
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Marla de Queiroz

sexta-feira, maio 25, 2007

Vislumbres

Tanto tempo engasgada com o próprio silêncio que necessitou procurar palavras. Poderia escrever um bilhete, caso nascesse a primeira frase. Quem sabe, uma carta. Ou algum texto longo, cheio de vírgulas, reticências e coisas bem ditas, até o ponto final. Sem parágrafos. Um bloco de confissões com muitas antíteses pra descartar as obviedades. E o que estivesse mais à flor da pele, colocaria entre parênteses pra não parecer dramática. Talvez aproveitasse pra usar aspas, intercalando trechos de músicas que tivessem relação com o momento. Pensando bem, preferiria o itálico: porque as letras ficam deitadas umas sobre as outras, bem mais romântico. Se revisitasse alguns livros, poderia aproveitar também uma daquelas citações. E, se as palavras se entrelaçassem coesas, poderia até ser profunda. E lírica.

(Foi o que pensou enquanto esticava o vestido no corpo como quem desamarrota um sentimento.Porque a saudade que sentia não era a mesma: dessa vez, vinha com um solo de violinos ao fundo.
E doía tanto mais).

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Marla de Queiroz

segunda-feira, maio 21, 2007

Visita clandestina



Foto: João Lourenço


Eu passeio por tua estrada quando você não está, porque não quero mais vê-lo ou tocá-lo.Eu passeio por tua casa quando você não está,mas não vasculho tuas gavetas, teus segredos, a intimidade repousada no silêncio dos teus bolsos, dos armários: contemplo os móveis, os livros, os discos e tudo o que está exposto__só quero a experiência. Eu passeio por tuas coisas quando você não está, pra aprender com tua casa, tua estrada e o teu mundo a suportar a tua ausência.


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Marla de Queiroz
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P.S.: Hoje tem poema meu no Manufatura.

quarta-feira, maio 16, 2007

Sobre resgates

Foto: Rafael Soledade Matos


Não aprendi a empinar pipas, mas a empilhar frases. E tive que me familiarizar com desmoronamentos. Por isso, procuro palavras regeneradas que façam algum traço de cor no céu. Eu não aprendi a desenhar fatos novos, mas a restaurar letras encontradas em entulhos e paisagens adoecidas pelo tempo. Às vezes, entre os destroços, eu descubro paradoxos como um mar de águas-vivas mortas. Às vezes, entre os escombros, eu recupero uma alegria virando pelo avesso a tristeza empoeirada. Um dia, eu reconstruí um poema apenas com os detritos de uma flor. E ressuscitei uma metáfora que estava dentro de uma frase irrecuperável...

Minha poesia nada mais é do que a tentativa de resgatar
essas emoções soterradas.
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Marla de Queiroz
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Ganhei um presente do meu amigo querido, Lelê Teles.

domingo, maio 13, 2007

Domingos



Domingos têm a brochura de um "Ulisses" de James Joyce:
são dias eternos, lentos, arrastados pelas suas mal-contadas horas.
Têm resquícios de amores passados, ensopando manhãs.
Têm arestas de indecisão ampliando seu quebra-cabeça incompletável
pra esticar as tardes.
Têm desejos de alguma novidade.
Têm contradições e desperdícios,
não têm conclusões, só indícios.
Domingos adiam suas noites pra causar impacto.
E quando nos acostumamos depois de ter andado entre sonhos,
entre livros, entre bares, entre tédios, entre ansiedades,
entretenimentos, entrelinhas,...
Domingo, tal qual o mar, anuncia sua ressaca:
uma segunda-feira vingará.
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Marla de Queiroz

quarta-feira, maio 09, 2007

Canção



Foto: Rosalina Afonso
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Há tempos meus versos são teus,talvez todos, quem sabe.
Há tempos são meus teus escritos,poemas roubados de um pressentimento.
E a poesia que virá,qual história contará que ainda não conheço?

Eu já fui ferida, feri e curei.
Eu já fui amada, amei e perdi.

O que há de tão grave na dor para que se tema tanto, sempre?
O que há de tão nobre no amor,para que se queira insistentemente?
E o que há em comum entre os dois para que, vezenquando, se complementem?

A falta de emoção é que me deixa inóspita.
A inapetência é o que nos inquieta.

Não preciso saber pra onde vou, apenas com quem.
(Eu sei seguir só,também.)

O que pode ser tão frágil que precisa ser guardado numa caixa de silêncios?
O que pode ser tão forte que precisa ser exposto nessa vitrine de gritos?
O que pode ser tão raro que não possa ser incluso na lista dos desapegos?

(Sei que maio desliza entre as pernas nos convidando a apressar o passo.)

Então canta no teu violão aquela canção tão antiga, filha das nossas tardes.
E eu repito com você o refrão em que dizes:

Não consigo recordar
em qual beira de rio
você me beijou um dia,
mas inda arde em mim
essa saudade...
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Marla de Queiroz

domingo, maio 06, 2007

Entre-vistas

Foto: Luis Calado


_O que você faz quando está muito triste e cansada,

mas não consegue dormir?

_Eu componho um pranto.
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Marla de Queiroz

quarta-feira, maio 02, 2007

A Vida Tem Dessas Coisas...



Foto: Geisa


Pronunciou várias vezes o nome dele como quem diz: “meu amor”.
(Desses recursos que os amantes esbanjam)
Porque amar mesmo só se sabia assim: largo, dentro, na parte mais vasta,
com todas as esperanças castas e os gestos despidos de qualquer resquício de medo.
(Dessas sabedorias que o perdão nos dá)
Permitir-se tanto era como se a casa do seu corpo fosse visitada todos os dias pela alegria.
(Dessas coisas que um corpo sabe escrever no outro)
Ele, o mesmo, o de sempre, de repente, revelando-lhe belezas tão inéditas e
sensualidades que não estavam submetidas à posse.
(Desses encontros que duram)
Tinha tanta alvura naquele sentimento como quando os anjos da guarda de um casal

também se apaixonam.
(Dessas magias)
E o sol que provavelmente estaria lá fora, ela via nascer por dentro.
(Dessas coisas que acordam o dia mais cedo)
Foi didática enquanto o amava.
(Dessas gramáticas do corpo)
Era uma querência já sem desespero, mas intensa.

Vontade de dedilhar num violão aquele sorriso até encontrar o melhor dos adjetivos.
(Dessas coisas que viram música)
Estavam felizes sem modéstia ou culpa,como se as flores fizessem aniversário.
(Desses momentos que esmagam antigas tristezas)

Eles, o dia, inteiros,a noite,intensos, a madrugada, nus:
e o experienciar de todas aquelas emoções sem títulos.
(Dessas coisas que não se abrevia, que se eternizam)

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Marla de Queiroz