quarta-feira, abril 29, 2009

Nossos pontos cordiais


Foto: João Cigano
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Com a concha das mãos faz o que sempre fez no mar, e com a altivez dos que nunca darão explicação nem a eles mesmos: com a concha das mãos cheias de água, bebe em goles grandes, bons. E era isso que lhe estava faltando: o mar por dentro como o líquido espesso de um homem.
(CLARICE LISPECTOR. “Onde estivestes de noite”.)
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Abro as pernas e as palavras se contraem: tua língua se apropria do meu texto, tua fala sempre tão bem dita.Fecho os olhos: teu poema me penetra, nossas palavras gemem, a poesia grita. Mas eu guardo em segredo minhas frases mais aflitas. (Pelo menos dessa vez não vou deixar que o meu medo te pareça abandono.Pelo menos dessa vez não vou supervalorizar nossa história que é apenas tão bonita.) Vou deixar que se enfie em mim com dedos, membro, língua e malícia.E o teu corpo, meu tutor, se apropriar do meu sem dono, num abraço pélvico escorregadio, num enroscamento longo qual novelo de delícias.


Nem importa mais se a nossa música já não toca, que nos toque em silêncio essa carícia.

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Marla de Queiroz

terça-feira, abril 28, 2009

Mudando de (falta de) assunto ou colhendo os louros

Klimt


Prometeu a si mesma:
Não me caberá mais nenhum drama. Só terei esperanças e perspectivas.
Quando algo ensaiar doer, sentirei sono porque acordo cedo no dia seguinte.
Quando um amor ameaçar acabar, lavarei a louça enquanto espero a champagne gelar.
Sempre haverá essa espera por finais:
De semana, de campeonatos, de novelas.
Tudo será esperança de um final eterno desse drama.

(E seguiu comendo os louros que deveria apenas colher...)
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Marla de Queiroz

(sem assunto)


Foto: Clarisse Regueiró



E, no cultivo pela falta de memória,
evitou qualquer contato:
restaram tantas cicatrizes sem história.

(O word alertou:
"verifique se não há espaço demais entre as vírgulas"...)

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Marla de Queiroz

quinta-feira, abril 23, 2009

Quando o tiro sai pela culatra



Esquecer alguém é tão difícil, mas como é triste deixar de gostar. Fica uma espécie de falta de assunto. Você cumpre sua rotina, faz tudo que deveria fazer, mas sente que te falta algo, além de assunto. Talvez aquela dorzinha latejante que te fazia consciente do teu coração pulsando o dia inteiro. E você tinha um objetivo tão grandioso: fazê-la cessar. E um dia você nem percebe que ela se foi. O desconforto é outro: parece que não sinto nada. Meu corpo inóspito, sem habitação. Tenho minha alma larga, mas ainda sobra este espaço prum amor eterno que ele ocupava e que não existe mais. E eu tenho todo esse potencial amoroso entre as mãos e ninguém pra me ajudar a desenvolvê-lo. E conviver com esse “não gosto mais” vai ficando pegajoso. Não há como recolher o que foi deliberadamente esvaziado de significado. Então é isso: Nunca mais vou sonhar com uma reconciliação, um reencontro ao som de violinos. Nunca mais vou imaginar que nos esbarraremos por aí, eu no meu melhor vestido, com meu cabelo incrível e um ar sereno. Ele todo lindo com os olhos salivando de vontade de mim. Nunca mais vou delirar que subo num palco repentinamente e canto só pra ele com uma voz perfeita em meio a uma platéia equivalente a um Maracanã cheio: todo mundo emocionado com o nosso amor.Nunca mais serei piegas.
Mas o que eu faço com esse “não gosto mais”? E se ele fizer tudo pra me trazer de volta eu simplesmente vou olhar nos olhos dele como quem tem os dedos presos entre a porta que se fecha e dizer sem rodeios: Não!? Assim como quem não sabe o que fazer com algo que se esperou tanto e que aconteceu somente quando perdeu completamente o sentido? Esquecer alguém é tão difícil, mas deixar de gostar traz um vazio absoluto. Porque até que outra coisa tão real e surpreendente aconteça, parece demorado e dá preguiça demais. E quando estiver carente e me fizer deslumbrante e disponível terei que esperar que alguém interessante apareça com o mesmo blábláblá dos primeiros instantes, com a mesma perfomance das máscaras sociais. Ele já sabia tanto quando eu nem precisava dizer. Era tão delicioso a gente só se olhar, cúmplices, e seguir por aí, de mãos dadas, tão donos do mundo. Era tão maravilhoso saber que meu projeto de vida era acordar ao seu lado todos os dias. Era tão excitante ficar atualizando a caixa de e-mails esperando o dele, saber do telefonema no meio da tarde, das mensagens sacanas que me faziam ouvir sua voz ao meu ouvido.Quer dizer que isso tudo ficou no passado? Que meu corpo está completamente destituído de afeto por ele? Foi pra isso que fiz tanto esforço? Foi pra isso que me desvencilhei de todos os resquícios dele num tratamento de choque radical de quem simplesmente rompe com tudo que possa levar a uma recaída? E se eu quiser gostar de novo, não tem mais jeito? Mesmo que ele, finalmente, mereça (!) eu não vou querer mais?
Porque a nossa relação me ocupava plenamente.E, agora, nas horas vagas e sem ocupação emocional, eu sigo mais vaga que as horas todas.(Nem a minha autosuficiência tem me bastado).

Esquecer alguém é muito difícil, mas não lembrar pode ser ainda mais doloroso.
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Marla de Queiroz
P.S.: Isto faz parte do processo....e nem é a parte mais importante.Há muito mais adiante.
P.S.2: Vocês me superam nos e-mails que elogiam meus textos. Vocês me deixam boquiaberta e sem ter como agradecer.Sou privilegiada por tanto, tanto amor. Transbordo de amparo.Transbordo de vontade de que nunca me falte inspiração e que eu possa continuar, por aqui. OBRIGADA é palavra que já não comporta tanta gratidão. Tenho tido alegrias indescritíveis com o que tenho recebido.
P.S.3: Meu livro com dedicatória: marlegria@gmail.com

segunda-feira, abril 20, 2009

Um novo capítulo


Posso ver a claridade além do sol, antes disso, nuvens se aconchegam juntas sem nenhum trovão. São delicados os ventos do outono.Caminho em direção à chuva que desabrocha adiante e entrego meu corpo às águas que o céu despeja em uníssono com meus derramamentos.Todas as minhas expectativas frustradas escoando pela terra.Tenho tudo que preciso e abro o peito e os braços e digo um SIM sonoro para o que meus olhos alcançam, o meu peito suporta e o mistério penetra.Eu me sinto em casa: tenho a imensidão do mar e horizontes inalcançáveis. E o que me faz caminhar é essa sucessão de desafios que não cessam, para que eu conheça meu poder de superação.

Eu construo minhas estradas e meus navios.E depois os aprimoro.E para que navegue ébria ou caminhe resoluta numa linha torta, preciso estar forte feito rocha. Eu moro nos mirantes quando preciso montar a trajetória dos meus próximos mapas. E abraço cada sensação que tenho ao apontar com o dedo meu próximo lugar sem um provável endereço.E, em vez de cidades, encontro sentimentos_ países inteiros a serem explorados: Amor, Medo, Confiança, Insegurança, Solidão... Meu destino é a Sabedoria. Não procuro atalhos, sei que é longa a travessia.

Estou virgem e confiante para que nada corrompa minha inocência, o que não significa ingenuidade. Não guardei memórias de dores ou desesperos passados. Eu me apeguei ao aprendizado. Eu me perdoei faz muito tempo. Sinto apenas que vivi as escolhas que fiz e não há erro nisso. Eu só tinha maturidade para experiências específicas e foram elas que me conduziram ao meu coração, a minha fonte criadora. Tenho tanta força em mim que não poderia guardá-la apenas para momentos adversos, tive que usá-la também na experimentação de um prazer exagerado, na minha sede pelo gozo absoluto.

No meu trabalho interno pelo desapego foi quando descobri que sempre me faltou fome, mas me sobravam apetites. Agora já percebo quando ainda não é a hora do mergulho, mas a de me encharcar sobre as superfícies. Percebo quando não sou eu quem tem de penetrar a água, mas de deixar que ela escorra sobre mim. Aprendi a me oferecer mordomias emocionais como adiar decisões dolorosas e a de ter a disciplina de cumprir rigidamente meus prazos.

Antes eu pensava que nunca havia tempo suficiente, hoje eu percebo que o melhor emprego do meu tempo é neste desvelar de mim mesma, nesta busca por uma orientação interior tão nítida que nada se misture à inquietude dos meus desejos. (Nem sempre se deseja o que é melhor) Não há mais lamentos, sou eu quem governa a minha vida e o meu tempo. Sou eu que escolho quem vai conviver comigo e participar da minha (auto)biografia, ser o foco da minha poesia ou desfrutar comigo apenas um breve e intenso momento.


(Posso ver com clareza além do sol...agora.)


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Marla de Queiroz


P.S.: Clique no flye acima para saber os detalhes da festa.

P.S.: OBRIGADA A TODOS VOCÊS PELO QUE ME DÃO DE AFETO, PELAS COISAS ÍNTIMAS QUE COMPARTILHAM POR CONFIANÇA


VOCÊS ME APRIMORAM.




Vendas do livro pelo site da http://www.editoramultifoco.com.br/ ou com dedicatória pelo e-mail: marlegria@gmail.com

sexta-feira, abril 17, 2009

Sobre a renúncia

Foto:Raquel Alexandra



Renunciar a algo que amamos muito e que desejamos com toda a força do coração é uma das decisões mais cruéis de se tomar que conheço. Porque a perda equivale a uma morte dupla: morrer para alguém e matar a pessoa na gente. É como se sobrasse por dentro apenas um casarão vazio com um jardim morto. E, de repente, tudo tão subitamente anoitecido sem previsões de dia novo. É um caminhar lento e arrastado numa espera sombria de que as horas passem e o tempo leve essa febre alta sem medicação possível. É preciso que haja tanta paciência e firmeza por dentro pra não entrar em desespero, que a sensação que se tem é de estar meio fora do ar, com tanto esforço. E até chorar fica difícil, teme-se que nunca mais o choro cesse.
Há muitas perdas quando se termina algo que não se queria ter terminado: muda-se a auto-imagem, alegrias ficam suspensas, sonhos desaparecem por um tempo e nenhuma cor na paisagem. O cotidiano fica obscurecido por aquela lacuna aberta no meio do que era a parte mais interessante dos dias.
Com o tempo, você analisa que abrir mão de algo muito importante, só se faz quando se tem um motivo maior que esse algo: seja um propósito, uma crença, um valor íntimo, uma obstinação qualquer que te oriente para essa escolha que já se sabia tão dolorosa. É um sacrifico voluntário por algo mais pleno, mais grandioso em Beleza. E, nestas análises, você descobre outras perdas que são positivas: perde-se também a ansiedade, a insegurança e a ilusão. E você aprende a recomeçar agradecendo por vitórias tão pequenininhas...
Como quando é noite e antes de dormir você se enche de gratidão:
“Deus, obrigada, porque é noite e eu tenho o sono... Que venha um sonho novo, então.”



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Marla de Queiroz

terça-feira, abril 14, 2009

O medo do amor


Foto: Marta Ferreira

Eu não tenho medo do amor.Eu tenho medo é de amar quem tem medo dele.Amar quem teme o amor é como se apaixonar por uma sucessão de desistências. É como viver apenas a possibilidade de algo, mas com a sensação de que ela nunca se estabelecerá.É ficar intranqüilo não com o amanhã, mas com os próximos minutos. Quem teme o amor vai embora antes de fazer as pazes com ele.Antes de saber que surpresas ele reservava. Quem teme o amor teme caminhar de mãos vazias em direção ao desconhecido.Está sempre baseado numa repetição do passado.E acha que a vida será como todos aqueles dias idos.Quem teme o amor não vê a pessoa que conheceu, não se dá a oportunidade de ser amado de outra forma.Quem teme o amor se envolve é com o drama de todas as feridas que vieram à tona porque ele não se permitiu ficar sozinho e confuso o suficiente para curá-las.Quem teme o amor não aprendeu a pedir ajuda nem a receber a cura do Universo.Ele se acha maior que o amor e não conjuga o verbo.Quem teme o amor consegue ser mais perverso do que quem o magoou.

Quem tem medo do amor , pra se preservar, não se permite delirar lindamente....e perde a parcela mais deliciosa que o amor prometeu....por medo de amar.

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Marla de Queiroz

P.S.: Obrigada, obrigada, obrigada! Vcs me dão muito! Amo os e-mails, os recados no orkut, as homenagens nos blogs e no youtube....Que vcs tenham sempre, com urgência, aquilo que o coração de vcs deseja de mais saudável pra vcs e pro Universo.



quarta-feira, abril 08, 2009

Um presente...no outro

Foto: Joe Taroga
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Rio de Janeiro, Mirante do Leme, num desses dias em que.
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Para você, meu amor.
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"Há momentos na vida em que sentimos tanto a falta de alguém que o que mais queremos é tirar essa pessoa de nossos sonhos e abraçá-la. "
[ Clarice Lispector ]
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Há tanta delicadeza nos finais das tardes de outono, que quando o sol encerra o seu expediente, caminho em direção à paisagem que quero reter e enviar pra você em pensamento, como quem embrulha um presente. (Mas me desconcerto toda quando a onda lambe a rocha: é sensual demais, não há como não lembrar a tua boca).

E o dia se despede suave feito um colo. E o verde intenso da mata que se aproxima a cada passo meu, dispensa outras harmonias. (Mas me desconcentro inteira quando vejo a ave mergulhando em captura: impossível não lembrar os apetites teus).

Segura entre as mãos, então, esta cena: agora uma onda ergue-se lentamente, numa letargia fascinante, parecendo desinteressar-se pelo próprio movimento. Vagarosa, curva-se como que num espreguiçar até que seja possível ver com tranqüilidade a parede de água que se forma lisa de tão esticada, antes da debruçada repentina sobre a areia. (Você perceberia dentro deste mesmo tempo).

No meio disso tudo, uma saudade indiscreta da tua cara de insônia pelas manhãs. (Por não dormirmos juntos esta noite, a noite já cai farta de si mesma). E eu fico toda lamentosa de saudade sem tristeza, querendo reclamar da nostalgia...
Mas só consigo agradecer por você ser real... me dá tanta alegria!



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Marla de Queiroz