É porque você se acostumou com o
afeto que tenho pelos meus amigos e imaginou que quando eu estivesse com você
não seria áspera em momento algum. Mas acho que se a poeta se fundiu com a
pessoa em sua cabeça, você não estava totalmente errado, mas esqueceu de ler
algum texto em que falo da minha incoerência e das minhas fúrias súbitas. Sim,
eu sou muito dura às vezes e separo muito bem amor de sexo. Não acredito que
ofegâncias sejam indícios de paixões, desculpe. E me irritou você se apaixonar por
exatamente o que viu em mim, por esta nudez exposta aqui e, depois ficar
ditando como eu deveria agir, posto que a sua sensibilidade é exacerbada demais
para as minhas ironias. O que adiantaria dizer que eu estava apenas brincando
se você perde todo o senso de humor para se magoar e ficar rancoroso para o
resto da vida? Penso como deve ser pesado aprisionar na lembrança tantos
defeitos pessoais que não sejam seus, carregar as pessoas nas costas
(imaginariamente) para depois devanear sobre alguma vingancinha pueril.
Então deixa eu te contar uma
coisa: eu sou coberta de defeitos. Eu sou a pessoa mais estranha que conheço. E
a mais amorosa também. Mas me posiciono acidamente quando me sinto invadida: eu
não sou fofa, meiga ou doce. Não me preocupo com o que pensam de mim, mas se
estou sendo justa e sincera. Eu prezo pela transparência e não seduzo
levianamente. Talvez este meu modo de agir e de deixar tudo às claras tenha te
decepcionado. Infelizmente, isto não me incomoda de maneira alguma, porque acho
que fiz o que deveria ser feito. Mas eu nem sempre estou certa. Eu não tenho a
pretensão de estar sempre certa. Eu nem acredito em certezas, acho.
No mais, você é alguém que eu indicaria
para as minhas amigas mais “meigas”, mas o teu lado “chateado-com-o-tom-do-seu-bom-dia”
não me comove, incomoda. A minha suposta esquizofrenia pode não ser um defeito,
mas minha característica. Você esqueceu que sou humana demais mesmo quando, emocionado,
leu “Poema em Linha Reta” do Fernando Pessoa dizendo que estava farto de semideuses.
Sou “a gente deste mundo”. Sou disponível, mortal, na maioria das vezes
indiscreta e exageradamente espontânea. Eu não sou convencional. E gosto de
homens que bancam esta excentricidade. Descobriu onde acabou a nossa
eletricidade? Então fiquemos por aqui. Impossível continuar tateando no escuro
em busca de alguma saída. Não agora. Eu tenho um par de asas: existe um céu
imenso... lá fora.
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Marla de Queiroz