quarta-feira, dezembro 12, 2012

Carta para M.




Querido M.,
Estou escutando Roberto Carlos desde cedo. Porque gosto, porque estou me sentindo tão esquisita e ele me acolhe. Eu sei que você saberia me abraçar no silêncio dos teus olhos imensos de afeto e que veria além do que eu gostaria de dizer e não consigo. Você, querido M., entende o meu cansaço. E eu estou me sentindo assim: tão cansada. Eu sinto que hoje eu gostaria de gostar das coisas de outro jeito, de lidar com a vida de outra forma, de me comunicar com as pessoas de outra maneira. É uma falta de pertencimento muito esporádico, mas intenso. Parece, M., que sou dos Outros, que estou para todos, que me divorciei das minhas vontades ou que elas não me beneficiam mais. E me guardei muito pouco quando desatei a espargir palavras e mais palavras com avidez e pouca acidez. Talvez eu esteja tão ácida quanto preciso, mas sem saber exercer isto. Você, querido M., entenderia o que eu digo.
Querido M., ontem eu observei as coisas com amor e fui me desencantando pouco a pouco. Tentei segurar com força o resto do sentimento, mas ele foi embora mais rápido do que a vontade que tive de retê-lo. Como é triste, a priori, perder a ilusão de certas belezas. Talvez este momento seja tão precioso, necessário e caiba na exatidão do tamanho do meu aprendizado. Mas eu estou confusa meu querido M. e esta confusão me deixa exausta: como eu gostaria de poder chorar em vez de escrever palavras.
Querido M., a vida segue e eu vou ter de aprender a lidar com este sentimento hoje. Sei que amanhã, o meu olhar será outro. Mas, dificilmente, o que perdi ontem tentarei resgatar. Porque esgotou o tempo e as coisas têm um tempo certo para durar.
M., sei que você pode me sentir agora. E isto me acalma. Sinto sua mão amorosa acariciando meu rosto. Por isso, tenho certeza que o que estou sentindo é apenas algo tão humano. Quanta falta você me faz! E essa saudade de você, finalmente desatou o meu choro preso. Obrigada por me ajudar a sentir. Até mais.


Marla de Queiroz

domingo, dezembro 09, 2012

A partir de hoje


A partir de hoje, vou deixar que o Outro seja: uma boa ou má pessoa, o que lhe aprouver. Tudo que julgo ou critico, tomo como referencial os meus valores. Não há como saber quem está certo a partir disto, e nem tem importância no final das
contas. A partir de agora, eu sei quem quero atrair para a minha vida: pessoas que não me façam sentir que estou traindo a mim mesma. Tudo é resolvido com um olhar distanciado e um afastamento físico. Não enfio mais poesia em situações onde o protagonista não sou eu e o coadjuvante não consegue ser lírico.

Marla de Queiroz

ELE





Poucas vezes me senti tão atraída por alguém que não me despertasse um tesão intelectual. Mas ele, apesar de não ter lido Bachelard, tem a sensibilidade de conversar com plantas, bichos, abraçar árvores, e uma docilidade sem tamanho. É tudo muito simples: me olha com admiração e se preocupa se estou confortável onde quer que estejamos. E promove este conforto. Não sou insegura, mas ele tem um abraço que me blinda de qualquer medo. Porque guarda nos olhos essa tranquilidade que carrega na alma. Ele ri de qualquer excentricidade minha, topa qualquer cena em público de brincadeira e caímos na gargalhada juntos, vendo as pessoas boquiabertas. Ele tem o charme e a beleza que nunca vi em ninguém. E o melhor: não sabe disto. Nunca se vangloria por nada. E o que não leu, adora que eu leia para ele, e se emociona porque acha o trecho mais bonito em minha voz. Ele acha que eu absorvo o texto e vou encontrando peculiaridades tão sutis no contexto que seus olhos marejam. E ele me explica isto de um jeito muito delicado: sorri comovido e diz “que bonito, Meu Deus, como é bonita a cena toda: você, sua voz, sua paixão pela leitura, os trechos que você escolhe...”
Eu o abraço, porque não sei agradecer coisas tão grandiosas. E nunca analisamos se o que sentimos é amor, nunca tentamos dar nome aos nossos sentimentos. A gente se quer muito bem, isto é explícito. E a vontade de estar junto não acompanha qualquer dependência ou obsessão, nossa individualidade é respeitada e tem vida própria. Mas a gente gosta de ter qualquer parte do corpo sempre encostada na pele do outro. A gente gosta de batata frita com sorvete e água com gás. A gente gosta de imaginar que as estrelas cadentes vão cair nas nossas testas. A gente gosta de deitar na areia à noite no meio da praia e falar de vagalumes e planetas e marés... A gente vive se colorindo de fantasias pueris só para poetizar nossos instantes. E é com ele que eu tenho vontade de colocar uma pequena mochila nas costas e desbravar todas as paisagens internas, externas, e desaparecer dentro delas.

Marla de Queiroz

sábado, novembro 10, 2012

UM PUNHADO DE REFLEXÕES




Só deseja um amor saudável, quem já viveu uma paixão dilacerante. Porque a paixão corroía tudo por dentro até tirar o fôlego, mas até a dor parecia bonita: aquele único instante de felicidade com o Outro compensava os trezentos outros de infelicidade. Só deseja ter um dia tranquilo, sossegado, quem tem a intensidade à flor da pele, quem acorda suspirando a vida, devorando o dia, se lambuzando de tudo sem conseguir tocar nas coisas com a ponta dos dedos. Só deseja constantemente a companhia das palavras quem escreve. Para estas, o silêncio nunca é mudo, é sempre uma possibilidade. Só consegue vislumbrar a paz quem se investiga, quem tem Consciência do que deseja e pode ou não obter, quem aprendeu a lidar com o imediatismo.
 A escrita ensina a esperar, a escutar a letra da música e depois a melodia, juntas e separadas. A escutar a história do Outro sem fazer intervenções antes da conclusão. A compreender que os espertinhos são aqueles que sempre vão terminar levando uma rasteira da própria ingenuidade, porque perderam a inocência. Só consegue acordar para a vida, quem viveu solitário e insone dentro de uma noite interminável e caminhou sonolento pelo resto do dia, quem perdeu o sol. Só consegue apreciar a nudez, quem não é vulgar. Quem percebe com naturalidade que um corpo é como uma árvore, que o seu ambiente é extensão do meio ambiente e que, juntos, ambos são um ambiente inteiro. Só julga acidamente os Outros o tempo todo quem é recalcado. Quem se aprisionou na ideia do que é ridículo e não consegue suportar um ser autêntico.  Só consegue ser irônico, quem é inteligente. Só consegue ser doce, quem já foi ferido e curado pela espiritualidade.
Só consegue o que quer os que têm desejos justos. E acreditam.


Marla de Queiroz

quinta-feira, outubro 25, 2012

DESPEDIDAS



Pessoas vão embora de todas as formas: vão embora da nossa vida, do nosso coração, do nosso abraço, da nossa amizade, da nossa admiração, do nosso país. E, muitas a quem dedicamos um profundo amor, morrem. E continuam imortais dentro da gente. A vida segue: doendo, rasgando, enchendo de saudade... Depois nos dá aceitação, ameniza a falta trazendo apenas a lembrança que não machuca mais: uma frase engraçada, uma filosofia de vida, um jeito tão característico, aquela peculiaridade da pessoa.
Mas pessoas vão embora. As coisas acabam. Relações se esvaem, paixonites escorrem pelo ralo, adeuses começam a fazer sentido. E se a gente sente com estas idas e também vindas, é porque estamos vivos.
Cuidemos deste agora. Muitos já se foram para nos ensinar que a vida é só um bocado de momento que pode durar cem anos ou cinco minutos. E não importa quanto tempo você teve para amar alguém, mas o amor que você investiu durante aquele tempo. 

Segundos podem ser eternidades... ou não. Depende da ocasião.

Marla de Queiroz

terça-feira, outubro 23, 2012

(INS)PIRE




Que venham as palavras: nocivas, indecisas, despudoradas, vestidas de dores, de mágoas, de raivas. Que venham como quiserem, que se ofereçam delicadas ou urgentes, despidas de tudo, eloquentes, mas que sejam transparentes. Que venham sem falso moralismo, sem recalques, sem alegrias artificiais, sem entusiasmos opacos. Venham palavras: inocentes, indecentes, inexistentes. Componham frases, poemas, cartas, bilhetes, músicas. Venham livres, eufóricas e aladas, sem apego ao poeta-instrumento, à paisagem, ao sentimento, a nada. Venham vivas, mesmo que para falar, acidamente, dos mortos que ainda não foram enterrados.

Marla de Queiroz 

quinta-feira, outubro 04, 2012

Eu me perdoo




Eu me perdoo porque em vários momentos, fui injusta com vocês, comigo. Deixei que as minhas expectativas se tornassem exigências e julguei pessoas inteiras por causa de uma única atitude. Eu me perdoo porque na tentativa diária de acertar, cometi inúmeros erros por medo de errar. Fui áspera quando estava assustada e precisava pedir abraço, ajuda. Fui dócil por interesse, por necessidade de ser aceita para minha falsa completude. Eu me perdoo porque, não estando inteira para mim, doei fragmentos do que eu tinha, fui cínica com a minha poesia, falei de amor quando o que eu sentia era carência. Eu me perdoo por tantas vezes, não perdoar tua displicência, invadir tua individualidade, reclamar tua ausência. Eu me perdoo pela falta de compreensão e paciência com as minhas limitações e com as suas. Eu me perdoo por tirar a roupa quando você queria me sentir emocionalmente mais explícita, não apenas me ver nua. Eu me perdoo por ter me anestesiado tanto tempo e desrespeitado minha angústia, negligenciado qualquer aprendizado que trouxesse sofrimento. Eu me perdoo por rasurar com minhas autocríticas, os meus melhores momentos. Eu me perdoo porque sou imperfeita e humana, mas já pretendi a perfeição do Outro, mesmo não havendo importância ou a possibilidade disto. Por querer receber aquilo que nem eu tinha para dar. Por insultar querendo que a mudança fosse alheia porque julgava ser do Outro o medo de transcender, de transmutar. 

Eu me perdoo por ter vivido por tantos anos sem me perdoar.

Marla de Queiroz

terça-feira, outubro 02, 2012

Agora jaz





Eretas tuas palavras,
imponente teu discurso
viril todo o teu porte.
E o tempo estendido
empregado em discorrer
sobre as tuas qualidades
e sobre o meu decote.

Foi forte a sedução
desse teu corpo quente,
pegada obstinada.
A argúcia e a certeza
de que eu era a
tua presa adequada.

Mas bem na hora exata
da entrega insensata
em que me fiz constante,
fiel àquele instante...
Tua fala feito faca
soberba, inesperada.

Desisto na hora certa
mesmo te parecendo errada:
pois transo com pessoas,
pra estas eu me entrego.
Não trepo com seus egos.

Marla de Queiroz