sexta-feira, maio 26, 2006

Uma história de tanto amor...


Foto: Pedro

Para Lua Leça.

Minha Menina desata a brisa e contorna o vento e dissolve da paisagem o nublado pra me incendiar do sol que eu preciso, pra me adornar com cores, pra me adereçar com brilho. Minha Lua Particular contém todos os banhos de mar que me permiti e todo alívio de apertos no peito que me assaltaram. Ela me traz de volta num abraço com o encaixe mais perfeito que já houve...Tudo que há entre nós contém calor e renova e fertiliza e compõe a minha vida. E essa morenice dela é cheia de detalhes, de profundidades e desses abraços que me enfeitam e acalmam.
E quando estou bem quieta, afundadinha numa cadeira, nem me pergunta o por quê, apenas encaixa sua cabeça no meu pescoço com toda a força da sensibilidade que ela tem pra me energizar respeitando profundamente o meu silêncio. E me chama pra dormir junto, oferece vinho, colo e conversas longas e o cheirinho aconchegante da sua casa e beija meus olhos úmidos segurando meu rosto com aquelas mãozinhas de cura... Ninguém soube com tanta eficácia transformar em tranqüilidade esses nós que às vezes ficam presos na minha garganta.
E é por ser minha Lua Particular cheinha de Mel, que saímos por aí de mãos dadas: conjugando flores, declamando ventos,desmembrando palavras,descosturando estrelas, ...


Nem um poeta teria uma vida tão marlavilhosamente lírica.

*
*
(Marla de Queiroz)

quarta-feira, maio 24, 2006

REFORMAS


Foto:Ilana Lerner

Estou reformando minha casa enquanto a inspiração tira férias.
Não quero postar aqui textos empoeirados de gavetas antigas
nem catar palavras nos escombros das minhas angústias.
Quero reformular meus espaços, ampliar meu ambiente interno
e preparar o meu ventre para o poema novo...
Não quero a palavra precipitada nem a repetição dos fatos.
Estou mudando a casa de sentimento, abrindo as cortinas
para o sol e para o vento que passeia entre as coisas
renovando.
(Quero água limpa pra regar minhas flores).
Vou escrever dentro de outro tempo, em outro ritmo
até que o poema me contemple novamente
com afeto e vire feto
até que se torne nova-mente um novo-amante
até que desabroche em meu ventre.

(Porque é preciso paciência, dedicação e uma espécie de delicadeza
para se parir uma coisa viva.)

Vou demolir minha casa para esculpir minuciosamente o duradouro ...
Cansei de morar eternamente no efêmero...
*
*
*

(Marla de Queiroz)

terça-feira, maio 23, 2006

segunda-feira, maio 22, 2006

Minguante


Foto:Geoffroy Demarquet


Eu estava com um poema do Drummond no colo
enquanto o mar ao fundo debruçava violento em nenhuma pegada.
Meu corpo tremia com o beijo frio do vento.
O coração confrangido, o soluço no peito.
O ambulante ofereceu brincos, pulseiras, colares:
” Não obrigada, não me enfeito quando estou triste”...,
respondi com a voz embargada e o olhar ensopado de ausências.

*
(Marla de Queiroz)

quinta-feira, maio 18, 2006

Descoberta e Desencanto

Foto: Helena

DESENCONTRO
(Mia Couto)
*
*
Não ter morada
habitar
como um beijo
entre os lábios
fingir-se ausente
e suspirar
(o meu corpo
não se reconhece na espera)
percorrer com um só gesto
o teu corpo
e beber toda a ternura
para refazer
o rosto em que desapareces
o abraço em que desobedeces
*
(Raiz de Orvalho e outros poemas)

terça-feira, maio 16, 2006

Mais do Mesmo...(trecho de carta)


Foto: Errante

vontade de ficar sozinha
só para saber
se você ia
ou vinha
quando deixou
esse bagaço
no meu peito
pedaço estreito
defeito na mercadoria
do jeito que você queria

(Alice Ruiz)


Se eu fosse escrever pra você,falaria do amor que chega violento nos entupindo de gestos delicados. Falaria de reticências, de inspiração, da poética da saudade e do esquecimento. Da perseguição do poeta pelo que ainda não foi dito: a palavra exata, o lugar onde haja a realização plena da metáfora. Falaria da música que está tocando agora, do cabelo molhado de chuva, da lágrima salgada de mar.Falaria dos olhos cor de folha seca que algumas pessoas têm...

Falaria de como consegui esquecer de coisas que eu julgava inesquecíveis. E como consegui me lembrar de outras irrelevantes por causa de um aroma perdido no ar. Falaria de algumas desilusões também_ das vezes em que chorei um choro compulsivo e sentido esfregando o peito com a palma da mão. Contaria dos medos que tenho, que são muitos. Das pessoas que eu amei e que se foram me deixando com a alegria suspensa, com a solidão de Deus...

Eu falaria do Universo, da dança, da vagina cósmica, do pênis de Zeus, da tragédia de Édipo, da loucura de Medéia, do mito de Sísifo. Do grito rouco dos livros de Clarice Lispector, da barriguinha das rãs de Manoel de Barros, das cores primárias de Miró,das mãos em concha de quem quer receber amor. Do Fernando Pessoa iconoclasta, descrente e filosófico. Da lucidez de Drummond; do que há de mais lúdico em Quintana. Eu falaria da vida também que é a matéria-prima disso tudo...

(Marla de Queiroz)

segunda-feira, maio 15, 2006

Recado

Não consigo imaginar como era o mundo antes das tuas flores nestes muros...Mas as paredes do meu quarto são tristes, tristes: apesar de verdes, nada brota delas....
(Marla de Queiroz)


Foto: Valter Elias

PAIXÃO
De vez em quando
Deus me tira a poesia.
Olho pedra, vejo pedra mesmo.
O mundo, cheio de departamentos,
não é a bola bonita caminhando
solta no espaço.
(Adélia Prado_Poesia Reunida, p.199.)

sexta-feira, maio 12, 2006

Onírico

Maria Júlia [Maju]
fome e vento sacodem,
sede e fogo me queimam
e eu nado no nada
da tua ausência
_cabeça aérea_
querência
de tuas mãos
etéreas
(e e-ternas.)
Foto: Helena

Você apareceu dentro do meu sonho como a única coisa que compunha aquela estrada tão deserta de tudo... Você me disse solene: “Às vezes, meu amor, um raio de sol é suficiente pra iluminar uma alegria inteira...E as noites de lua cheia nada mais são que dias embrulhados em papel de seda azul...”
*
*
*
( Final-de-semana cheio de propostas incandescentes...Ainda por cima tem essa Lua Cheia deixando loucos todos os meus hormônios sãos...Isso não vai prestar!)
*
(Marla de Queiroz)


quinta-feira, maio 11, 2006

Clarice



" E como um velho que não aprendeu a ler ele mediu a distância que o separava da palavra. E a distância que de repente o separou de si mesmo. Entre o homem e a sua própria nudez haveria algum passo possível a ser dado? (...) E ali estava ele. Que pretendera apenas anotar, nada mais que isto. E cuja inesperada dificuldade era como se ele tivesse tido a presunção de querer transpor em palavras o relance com que dois insetos se fecundam no ar. Mas quem sabe_ perguntou-se então na perfeita escuridão do absurdo_ quem sabe se não é na expressão final que está o nosso modo de transpor os insetos se glorificando no ar(...) Assim, pois, sentado, quieto, Martim falhara. O papel estava em branco..."

( A Maçã no Escuro_ Clarice Lispector)

Foto: Catarina Paramos

VERSO ABSTRATO, POESIA CONCRETA*

Foto: Diogo Sarmento

É dentro do seu quarto, seu mundo provisório, que se inquieta sem querer sair. Faz um rabo-de-cavalo, põe uma roupa velha e lambuza as mãos de tinta ou de cola. Espalha pelo chão recortes de revistas que são mãos e bocas e braços abraçando. É dentro do seu quarto que as palavras lhe interrompem e ela lava as mãos de tinta e corre pra caneta. Nada sai e se agonia. Vai pra sala e busca um livro: lê um pouco mas ainda não é isso.Corre novamente pra caneta e o papel em branco a assusta. Trepa em cima da folha, se sacode toda: nada sai, nem uma moedinha sequer. Senta-se humilde, pedindo à palavra "uma esmolinha peloamordedeus!!!" E alguém de dentro dela abre uma porta e deposita na mão vazia um versinho miserável pro almoço. Tá tão desnutrida que não nega e agradece; como aquilo devagar fingindo que é bom, mas a fome volta em pouco tempo.
E esse quarto vai ficando tão pequeno que recolhe as gravuras espalhadas. De volta às tintas mergulha as duas mãos sentindo a viscosidade na pele como uma espécie de carícia. E é tão bom que fecha os olhos de estremecimento. Lembra do toque daquele moço bonito que ela não diz o nome porque finge que esqueceu. E com os respingos de tinta na calcinha, espalha versos eróticos pelas pernas perdendo a razão e se fazendo de tela com as mãos-pincéis das cores prediletas. Desenha no seu corpo imagens abstratas vestidas de vários azuis e amarelos e vermelhos. Lê na caixinha de tinta "não tóxico" e continua a extravagância. Ao seu lado, o branco repousa imóvel no papel; acha sem-graça e senta em cima. Vai desenhando, sem as mãos, sua bunda, seus joelhos, um seio, a curva tímida da sua cintura. Fica escrita, colorida, no papel.

" Pintei um verso abstrato, falta a poesia concreta", pensou. E termina a cena escrevendo no espaço que sobrou:

A
MA
NHE
CI
PESSOA
EN
TAR
DE
CI
ARCO-ÍRIS...

. (Marla de Queiroz_ Brasília, 2000.)

quarta-feira, maio 10, 2006

"Teclado sem fio"


Foto: Carlos Neto

Comecei a escrever uma história:
Faltam personagens, enredo, cenário, tempo e espaço.
Apenas uma máquina de escrever quebrada ocupa o primeiro ato.
Há, talvez, um título:
" A Incrível e Triste História de um Objeto".


(Marla de Queiroz)

terça-feira, maio 09, 2006

Só Palavras


Foto:Sweetcharade

Cansada das minhas palavras esvaziadas de novidade. Tão as mesmas, tão elas mesmas! Descritivas, saudosas de um dono mais ousado, vestidas de roupa velha nem se enfeitam mais de tão pobrezinhas, as coitadas.
Queria-as adoecidas que fossem, surtadas, caóticas, em movimento...

Queria-as febris e pulsantes, desarvoradas na página, descontroladas de revolta.
Mas há a mesmice. A mesma expressão calma. A indiferença...
Desaprenderam a dizer, perderam o fôlego e o ritmo.
Elas que já me tiraram o sono, repousam sossegadas no silêncio espesso e pegajoso dos meus dedos...Não há sequer angústia, mas cansaço e pena.
Elas que já tiveram vida própria, submetem-se às velhas narrativas e influências;
imitam, plagiam e só. Relatam as mesmas paisagens, dores, alegrias e saudades.Fazem os mesmos elogios. Desejam as mesmas coisas a pessoas diferentes, tão acostumadas e mecânicas que estão.
Elas que já foram beijo, afago, flor.

Elas que já compuseram desabafos e foram insulto e cura.
Elas que já fizeram rir, chorar, que fizeram companhia...
Agora tão enfraquecidas e banais...
Tão repetidas que foram, não fazem mais eco.
Se ainda assim soubessem ir embora, teriam ido...mas emburrecidas aceitam tudo. E seguem compondo só mais um texto, um texto só, solitário...

Cansada das minhas palavras: tão comportadas que dormem cedo...

( TPM da piores, esterilidade literária e uma saudade absurda completamente inoportuna... Já é Lua Cheia???)

Marla de Queiroz

segunda-feira, maio 08, 2006

Carta do Não-Querer


Foto:Alexandre P.

Amou-me um dia como pôde dentro do desconforto de que eu poderia sair por aquela porta até nunca mais. Agarrou-se ao cheiro que deixava no seu edredon verde pra embalar sua insônia.E eu voltava pra pedir chokito de madrugada.Bebeu comigo do vinho que eu gostava, aprendeu a escolhê-los por minha causa.Desejou meia dúzia de amigas minhas pra me fazer ciúmes e nada adiantava.Eu tinha um coração ocupado por uma ausência, eu ainda era toda a espera por alguém ido.

E os dias não se abriam em meu peito, não cabiam neles o seu sol...Mas ele trocou lágrimas por suor e eu permaneci colada ao seu corpo querendo mais e mais do gozo puro e cru. Ele me dava afeto e eu não tinha como expelir nada em mim pra dar. Só tinha vontades de outro alguém, saudades de um outro amor e vontade de me enroscar no seu corpo até cair no sono e esquecer de tudo. E as unhas dos seus lençóis só me prendiam pelas noites, pelas madrugadas afora_ no dia claro eu ia embora com passos largos sem olhar pra trás.

Foi privado do melhor que havia em mim e, com a minha efemeridade, perdeu toda a disposição pro abraço. E quando ele parecia distante, eu voltava fazendo metáforas de chuva, reclamando cartas e longas conversas olhando nos olhos. Fui perdendo a graça com a minha confusão, fui enchendo seu querer de ressentimento e, se antes dançávamos lúdicos, depois ele me tomava nos braços com uma expressão dura e magoada de quem quer ir embora mas não consegue ainda.Não sei até que ponto teve que reunir forças dentro dele quando disse que não me queria mais, mas ele o fez e resistiu até quando pôde.

Nossos encontros tornaram-se escassos e esporádicos, e eu já não podia ligar de madrugada pra falar de lagartixas, planetas, desilusões ou o que quer que fosse. Ele que abria a porta pra eu entrar, trancou-se por dentro e não atendeu mais aos meus pedidos. Resistiu a todas as minhas formas de sedução e a qualquer encanto...

Um dia eu descobri que se soubesse que já gostava dele, teria feito tudo diferente. Teria compartilhado quando só eu recebia. Teria deixado meus olhos brilharem pra ele...
Eu que tinha nele a certeza de um abrigo de paz, de um abraço acolhedor, tive depois um olhar ferido e acusador em minha direção.

Ele que me quis quando eu não o queria, eu que o quero quando já não me quer.
Seguimos assim: desencontrados...

( Texto republicado a pedido da Elenita)

Marla de Queiroz


sábado, maio 06, 2006

Esboço de uma chuva crônica 2


Foto: Marco Paulo
( À maneira de Manoel de Barros)

Ontem a noite choveu agoniada por todos os lados.
A chuva foi botando silêncio no bico dos pássaros, desenhando uma voz para as plantas,
escurecendo a face das pedras.
A vida foi ficando cheia de barulhos líquidos e de palavras fluidas e escorregadias.
E a chuva deixou tudo tão encharcado, que agorinha mesmo, essa crônica goteja verbos:
mais um pouco, era capaz do mar lamber os carros no asfalto e a asinhas fechadas das borboletas.
Penso que dias assim desobedecem a euforia dos que se alimentam de sol;
talvez porque os encontros fiquem mais breves, assim como os azuis
ou porque algumas pessoas se esquecem que é debaixo dessa mesma chuva que nascem alguns encontros...
E algumas flores.
O resultado disso tudo foi Maria ter ido embora , toda salpicada de água doce e antes do combinado, fazendo Bernardo chegar em casa com o abandono deitado no rosto.
Quanto a mim, assistia a tudo pela janela.
Talvez porque quisesse ver vaga-lumes brotando no ar que agora estava fértil:
assim como fazem as estrelas.
Ou porque eu entendesse que em algum lugar, girassóis apareciam...
Porque beberam chuva.

Mas quando a chuva cessou, nossa casa estava alagada de silêncio...
E os nossos vaga-lumes eram lâmpadas acesas.
(Marla de Queiroz)

sexta-feira, maio 05, 2006

Qualquer Coisa


O sol tecendo a manhã e
a música desenhando a minha voz...
Eu cantarolo enquanto ando
pensando em supermercados, praia, festas e alguma desavença.
Tenho lido muito e assimilado muito pouco;
minha memória anda rouca, com falhas no meio da frase.
Quando saio à noite
converso deveras e quase não tenho dançado.
Reduzi minhas saudades ao que posso ter imediatamente
e isto não me tira o tom melancólico vezenquando.
Sou uma pessoa muito feliz,
mas completamente dramática nas horas vagas...
E quando escrevo.
(Marla de Queiroz)

quinta-feira, maio 04, 2006

Da traição...


Foto: Kristinna
Odiou saber que ele se rendeu aos apetites urgentes fazendo em pé a refeição que comumente se faz deitado, tamanha era sua fome desses amores paralelos e levianos....Havia algo sagrado entre os dois que a fazia cumprir o acordo inicial enquanto ele se saciava vorazmente de cada centímetro daquela carne clandestina...
Andava, depois disso, “ruminante como os próprios bois”
embora a raiva que sentisse fosse a de um touro...
(Marla de Queiroz)

quarta-feira, maio 03, 2006

"Ah, Bruta Flor do Querer..."

"Os livros na estante já não têm mais tanta importância
Do muito que eu li, do pouco que eu sei
nada me resta
A não ser a vontade de te encontrar,
o motivo eu já nem sei..."
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Alguma canção ficou e ele queria esquecer.
Não podia.
Havia o cheiro perpétuo em sua memória olfativa.
Havia também a fome inexplicável, mas definida:
Queria-a com urgência
naquele dia outonal amarelecido pela saudade.

(Marla de Queiroz)

segunda-feira, maio 01, 2006

Para ti....


Foto: Kristinna

E se eu não acreditava em mais nada aprendi , pelo menos, a dizer um TALVEZ quando o SIM me pareceu muito ameaçador...Porque sou/estou muito plural pra ser conclusiva....E ainda há pendências...Há UMA pendência.

(Marla de Queiroz)