Já não consigo voltar. Tudo mudou
comigo. Os seios apontam adiante, minha única direção agora. Mas algo,
arraigado, não mudou: abandonar por medo de ser abandonada. Não suportando a
menor ameaça, às vezes irreal, fujo desesperadamente, fujo com toda a pressa
que o medo pode embutir numa pessoa, fujo com a força de alguém que tem atrás
de si um leão faminto. Não suporto mais ser este prato cheio para Freud. Isto
me faz viver com emergências demais, com sobressaltos angustiantes. Mas não
consigo ficar, meu amor. Mesmo que eu volte, preciso ir para respirar fora do
medo e me sentir a (falsa) heroína que escapou do perigo. Tudo sempre tão
ameaçador o tempo todo. Alguns sentimentos puídos pelo tempo, outros
recém-nascidos. O mar me abandona às vezes também e eu me abraço a esta poeira
de chuva. O vento roça meu pescoço, o frio se aninha na espinha. Meus olhos
estão cansados de tanto mundo. É preciso muito esforço para mirar o horizonte
inteiro. É preciso muita imensidão e força no olhar para ver e enxergar holisticamente.
Mas estou cega.
Marla de Queiroz