quinta-feira, novembro 29, 2007

quinta-feira, novembro 22, 2007

(Re)fazendo escolhas


Foto: Rodrigo Bela Vista

Estou abandonando os excessos com dedicação, disciplina e com todo o cuidado que uma despedida pede para que não seja traumática demais. Eu só soube que estava tudo errado com as minhas atitudes quando elas não serviram mais pra sustentar minha leveza. Foi quando tudo que antes era divertido terminou por me machucar por dentro e plantar no meu olhar uma tristeza sem horizontes alcançáveis. Quando tive que começar a me explicar demais, quando meus personagens foram morar nos meus atores e começamos a viver realmente as dores que inventei, foi quando decidi matar a autora de tantos dramas pra cuidar da casa, regar as plantas e me isolar um pouco enquanto reavaliava quais seriam meus próximos passos. (A minha intensidade não pode continuar servindo de tripé para tanta agonia). Preciso pontuar as histórias, delimitar certos espaços, dissolver conflitos, definir minhas relações e preservar um resto de sanidade que há em mim.(Nunca fui misteriosa, mas expor minhas vísceras na luz mais nítida do dia têm me feito contorcer de desprazer).

A imagem que tenho é a de uma ponte interrompida que desistiu de promover encontros e transformou a metade do caminho de uma possibilidade de relacionamento, num precipício inda mais perigoso, composto por abismo e correnteza. (O estalo seco de um tombo anterior ainda ecoa). E a ressaca de tantos mal-entendidos me empurram pruma nova busca.Vou silenciar um pouco enquanto refaço o mapa do meu destino e elimino definitivamente essa geometria de triângulos que só serviram pra me espetar com suas pontas tão agudas.Talvez eu consiga seguir mais lúcida e tornar a falta de embriaguez suportável.Quero precisar cada vez menos de tantas próteses e do uso dessa desculpa da poesia que brota daquilo que mais dói em nós.Vou abrir a janela para que o ar circule e recicle toda essa energia estagnada. Não preciso mais de tanto contato com as coisas, tenho exagerado nos meus mergulhos e usado lupas que distorcem as imagens. Agora eu só quero me preocupar com uma nova disposição dos móveis na casa enquanto ponho as roupas sujas na máquina de lavar.

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(sus)penso em passos de (mu)dança.

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Marla de Queiroz

terça-feira, novembro 13, 2007

Saudade revisitada

Gustav Klimt (Abraço)

Revisito saudades ao rever você e dispenso a mesa de um bar pra sentar ao teu lado na calçada de um Drummond de bronze. Eu tinha na bolsa três poemas que quase escrevemos juntos e algumas poucas e parcas histórias pra disfarçar o nervosismo.Mas o meu disfarce não durou um abraço inteiro e eu chorei depois de rirmos tanto relembrando parágrafos especiais de um tempo em que tudo era uma possibilidade.

Enquanto eu disfarçava os meus olhos marejados, as mãos ansiosas arrancavam o esmalte das unhas. E a tentativa de resgatar todos aqueles assuntos que a vida roubou de nós. E a gente só quis que aquele momento não parasse de acontecer, mesmo depois que o mar dormisse, que a chuva caísse, mesmo que nenhuma estrela se acendesse enquanto as horas se fossem. Que pudéssemos estar ali, tão nós dois de novo, sem romantismo, mas cheios de afeto.

Os seus olhos e o meu cheiro, tanto passado e a intensidade voltando com eles. Os meus olhos e o seu cheiro, vontade de nunca mais deixar que nada morresse entre nós.Em cada palavra que eu dizia só havia a tentativa de justificar meu sumiço e dizer que não foi por maldade, que foi por cuidado e o desejo de preservar a única coisa que sobreviveu intacta após tanto desencontro.Em cada palavra que você dizia só havia a vontade do redirecionamento no fluxo dos sentimentos.

(Tivesse eu ali como fotografar tanto amor mudado, tanta coisa que vinha de uma vez pra preencher os meses desse abismo entre os nossos poemas).

Não sei ao certo o que isso tudo me causou. Eu só lembro que eu quis voltar pra casa mais cedo quando te vi sendo engolido pela multidão. Eu quis voltar pra chorar tranquilamente, com privacidade e alguma mordomia sem saber exatamente se havia alguma dor: se era saudade pura ou aquela revisita ao teu olhar tão cheio de ternura, distância e melancolia.

E depois era só aquela multidão sem você.E as minhas unhas sem esmalte, os meus olhos sem disfarce.E o nosso momento que parou de acontecer pra deixar o mar dormir em paz enquanto a chuva caía daquele breu sem estrelas.Você se foi com todas as nossas horas guardadas.Levando nos teus olhos um cheiro meu.E novamente o abismo que me separava de todos os nossos poemas. E eu chorei até dormir, abraçada no que ainda pulsava vivo de nós: um eco, um estilhaço de sol,um detrito de flor, a lembrança de um solo de violoncelo e o esqueleto de nenhuma esperança...
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Marla de Queiroz

quarta-feira, novembro 07, 2007

Quando a saudARDE


Foto: Carla Salgueiro


Hoje eu acordei indócil como são as fêmeas que clamam pelo sêmen semântico.Das que querem beber o líquido quente e viscoso que o verbo derrama no ventre da poesia.Indócil de energia represada, desse ardor inclemente, da vontade da palavra molhada pregada na língua do poeta.(E essa intimação para o passeio lúbrico entre as frestas).Indócil e fácil, súbita e assumidamente oferecida.Daquelas que se despem salivando penetrâncias. Crestada como flor ao sol enxugando-se do orvalho.Planta carnívora, cigana balançando a saia na dança dos Orixás.Suor íntimo de mar, um cheiro fresco de mato. Banho de rosas vermelhas, recendências de almíscar, sinfonia de gemidos.Indócil de tanta força entre as pernas, predadora consumindo a presa entre as coxas.(Cravo as minhas unhas na tua cor de canela).

Dispenso pontes, despeço pudores, despisto a distância
e atravesso a nado o rio que abraçou nosso saveiro.
Porque hoje eu acordei indócil dessa vontade de tê-lo...
“ Que seja doce”.

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Marla de Queiroz