domingo, março 12, 2006

"Propulsor Melancólico"



Amor, então,
também, acaba?
Não, que eu saiba.
O que eu sei
é que se transforma
numa matéria-prima
que a vida se encarrega
de transformar em raiva.
Ou em rima.

(Paulo Leminski)

Foto: Catarina Cruz



Eu poderia te dizer o que vou escrever agora, mas... eu fico bem mais bonita quando escrevo:
Percebi, depois de uma noite inteira de total entrega, que nada de essencial foi atingido. Uma falsa intimidade permeava os lençóis do quarto onde eu, amante clandestina sem ter tido escolha, tive uma trepada homérica com a própria Noite que amanheceu comigo. Uma trepada cheia de detalhes, mas secreta. Mal sabia eu que enquanto me despia, simultaneamente, estava sendo vestida de abandono.

O que restou de todo aquele suor? Apenas o gosto de sal na boca.

Amanheci sem nenhum artifício, sem nenhuma intimidade com quem colheu os meus frutos sensuais por toda a noite. E ele amanheceu comigo e me conheceu também naquela hora do dia em que não sou interessante: sou apenas um amontoado de irritante bom humor e palavras básicas e funcionais que me inserem numa rotina.

Fechamos a manhã com um ponto e vírgula. Nos encontramos mais tarde depois de combinarmos nosso desencontro. Eu, fisicamente cansada e com uma alegria suspensa; ele, com aquele ar de saciedade que beira o fastio: ele estava plantado no ponto de partida de onde fomos embora antes de chegar...

Fomos embora do lugar em que estávamos. Fomos embora juntos da nossa história. Quando fechei a porta do carro, deixei no banco vazio o casaco de desejos que ele, friamente, teceu pra mim. Saí quase nua, embrulhada apenas em algumas palavras balbuciadas com desinteresse. Tive que ir embora antes de ter tempo de mudar a expressão do rosto, embora eu estivesse completamente disposta a ser surpreendida. E o que parecia ter muita luz, escureceu com sua sombra um dia inteirinho de sol e céu azul bem no início do outono.

Era domingo. Era dia anoitecido. Era só mais um adeus. E o vinho tinto encorpava a dor.

(Texto republicado)

5 comentários:

Anônimo disse...

Marla, tenho uma expressão comigo. secreta. quase algébrica. com letras primas e inteiras. e aqui, como quem vasculha bibliotecas, encontrei palavras pares. é que ess mesma busca nunca disputa espaço. se locomove sozinha pelo espeço-tempo, ancorando em portos que sequer suspeitamos existir. ainda bem. mais um endereço importante, onde vez em quando, estarei chegando pra descansar das minhas próprias rasuras. meu beijo, Diana-Dru

Anônimo disse...

sim marla: o dicionário decifra o rigor do medo. ? grande abraço

Anônimo disse...

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A poesia acontece quando as palavras se abraçam...