quinta-feira, outubro 26, 2006

Mar-lá...(restos de memória)


Foto: Carla Salgueiro
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Sempre depois de uma fase de extrema euforia e noitadas intensas, eu preciso parar pra organizar meus sentimentos_ as coisas que vejo, como as sinto_ por isso preciso de amplos momentos de solitude e começo a namorar o silêncio. Eu nasci com um certo medo de incomodar, depois de um tempo comecei a ser eu mesma pra saber se o medo tinha fundamento. Não sou alvoroçada, barulhenta, sou alegre e rio alto, faço piada de tudo, rio de mim mesma.Isso vai dando uma coragem na gente de ter mais luz.E aí a tal beleza exótica que sempre me disseram que eu tinha passou a ser um elogio. Antes eu ouvia isso como uma forma que a pessoa tinha de me dizer que não estava certa se eu era bonita ou feia,mas nasci velha, filha de índia, angustiada com questões tão mais abstratas que nem tive muito tempo de criar complexo, mas pra investir em amplexos. E fui criada meio sozinha, cuidando da casa e do irmão mais novo, fazendo o almoço com 6 anos de idade e acordando às 5h pra preparar o café-da-manhã antes de ir pra escola que era longe. Mas sempre estudei em colégio bom. E tinha tanta liberdade na adolescência que fazia meus horários de voltar da festa, me disciplinava menina por vontade que eu tinha de cuidados comigo, me enchendo de auto-restrições dentro da vontade de transgredir que todo adolescente tem, porque eu podia, ninguém me cobrava nada. E sempre fui uma criança melancólica, preocupada com os problemas dos adultos, sem tempo pra parque.Capricornianos são assim,nascem disciplinados, responsáveis demais.Um dia ouvi duas mães de amigas minhas comentando: essa menina é como uma fruta fora de estação que amadureceu à força. Nem entendi na época. Hoje, minha mãe me chama de MÃE!Não vejo tristeza nenhuma nisso, maturidade é uma coisa que facilita demais a vida da gente.É estranho, mas entendo dores que nunca tive. E tive dores que ninguém teve, mas nunca banalizei nenhuma. Porque parece que tudo dói do mesmo jeito e aprendi a cuidar do outro de uma maneira que não me souberam. Daí, descobri os amigos. Não rivais, amigos. E descobri o amor de um corpo por outro corpo, bem tarde já, pra época. E sempre tratei melhor amigo que namorado porque nunca consegui me sentir pertencendo a nada, a ninguém.Eu sofria demais com a idéia do abandono. Pelo menos, amizade seria eterno e duraria. É porque abandono tem o acostamento largo, além de ser estrada deserta e escura.Nunca parei pra trocar pneu na estrada do abandono, mas já me deixaram nua, depois de um falso amor, no estrado de uma cama ou na estrada deserta. Sem nada nem ninguém. Mas eu tinha a mim mesma.
Eu negocio com essas coisas todas, com perdas, vejo ganhos em danos,não fui criada com danoninho, mas com tutano de boi. Quase não se vêem as costelas no meu corpo, sou robusta emocionalmente. Tenho a mão pesada, o corpo macio pro afeto.Tenho doçura sem ser meiga e minha voz é forte e rouca. O meu colo é largo, sem que eu seja gorda. E eu nunca quis ter cabelo liso.E o meu nome se parece muito com meu jeito.
Minhas flores eu planto no papel reciclado.
As outras, eu ganho ou presenteio.
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(Marla de Queiroz)

16 comentários:

Anônimo disse...

Te amo "lacrimejadamente".
BeiJÔ JÔ.

Rayanne disse...
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Rayanne disse...

Porque nós, Capricornianas, somos responsáveis demais. Às vezes tentando caber o mundo nos olhos, às vezes querendo abraçar gentes demais. Também sempre tive medo da estrada escura do abandono. E no cuidar de pessoas, medo também de abandoná-las no escuro. Dor quase igual. Felizmente a gente encontra semelhantes nas dobras do acaso, de riso largo e gosto fundo, gente assim você, meio flor, meio borboletra. Eu vou doendo, mas metamorfoseando. Separando prá ti meu melhor sorriso.

Anônimo disse...

Essas palavras encontraram eco aqui dentro...parece que minha alma está aprisionada neste texto..Lindo demais! Beijos

Anônimo disse...

Sua existência me faz feliz. Obrigada!
Vc é linda demais.

Beijos

Caroline Rodrigues disse...

Marla, como me identifiquei com o dito e o não dito do seu texto! Sou geminiana, mas meu ascendente capricorniano fala muito alto em mim. E que responsabilidade, heim? Acordar às cinco, morar longe, cuidar dos irmãos mais novos, estudar em colégio bom, auto-cuidar-se, tudo isso eu fiz também. Ser mais mãe do que filha da própria mãe... Fugir do abandono, da estrada deserta, da cama deserta. É. Realmente tendemos a pensar em nossa vida como uma história única, exclusiva, mas existem milhões de Severinos no mundo tentando fugir da morte e vida severina que os assola.
Bjuuuuuuuuuuuuuuu
Feliz recolhimento.
;)

Lubi disse...

Essa descoberta de si mesma é algo fascinante. Acho que é isso que busco construindo e desconstru(indo)-me.
É, é isso.
Beijo. Obrigada por sempre inspirar.

Anônimo disse...

Também tive que ter responsabilidade desde cedo. Começei a trabalhar aos 14 anos, como girl de um banco... mas para mim isso sempre foi bom, maturidade nos ajuda e muito. Também sempre me preocupei com a solidão, pq sou um bicho amor, e detesto estar sozinha....sou do signo de touro. Impulsiva, explosiva, emotiva, verdadeira.
A vida tem sido generosa na medida do possível!
Muito linda as suas palavras, amo vir aqui todos os dias, e qndo não venho sinto uma saudade enorme!
Um bjo pra vc e fica com Deus!
Juliana - BSB

Anônimo disse...

Ahhhhhhhhhhh!
E quero te conhecer qq dias desses, vc deve ser muito legal!
E como diz numa musiquinha aí: "O mundo gira, deixe que Deus marque o encontro..."
Bjos
Juliana-BSB

Anônimo disse...

este post é lindo demais. deixo-lhe flores recicladas de papel-ternura. beijos.

Anônimo disse...

Namorou o silêncio e riu de si. Só por isso tens condição de fazer o mundo te amar. Riodaqui/beijo aí/ Paulo Vigu

Anônimo disse...

Com toda essa vivência tens que ser uma pessoa maravilhosa. Meu beijo.

Anônimo disse...

pode ser uma fruta que amadureceu à força mas é "docinha", tem fruta que amadurece à força e fica amarga, não é o caso da sua espécie, se tiver semente quero plantar.

Adriana disse...

Esse texto é um buquê de no mínimo duas dúzias de rosas de presente pra nós.
Sua linda!
Sabe que vez por outra me pego a me imaginar numa rede, com um livro de seus textos entre as mãos com uma brisa suave embalando o cenário. E aí, quando?

Anônimo disse...

Eu nem preciso falar muito, só basta dizer que você sabe como entendi cada linha... como você é linda!

Na peça que vou apresentar agora em novembro, a minha personagem (uma menina de 8 anos) fala num momento: "As pessoas são bolhas de sabão que Deus vai soprando..." Mas quando te olho, penso que há algumas, muito raras, que ele soprou e depois abriu um largo sorriso.

Beijo com amor e carinho.

Anônimo disse...

Como eu só te conheci ontem????? Como assim? To bebendo suas palavras! Linda! Bjs

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A poesia acontece quando as palavras se abraçam...