segunda-feira, setembro 17, 2007

Carta




Meu amor,


Escrevo da praia enquanto o esboço de uma tempestade absoluta me espreita. Mas com a primavera anunciada, o vento vai perdendo a força e o inverno dá seus últimos suspiros.O mar está confuso: movimentos indecisos, cores indefinidas e algas, muitas algas. Na maior parte dos dias é a claridade que acaricia o corpo da cidade e as pessoas ganham um tom maior de sol na pele.Eu queria te dar esta paisagem de presente.Mas como reunir todos os elementos deste dia como se fossem flores que se organiza num arranjo? Se eu pudesse, te faria um buquê de flor-de-chuva, de sêmen de vento, de ventre de terra semeada por verbo, verso e dessa água cristalina rabiscando transparências no é-terno...
(Mas também sei que se você fechar os olhos dentro do teu quarto, ainda poderá ver o horizonte que pintei... Eu descobri que todas as paisagens brotam do interno).

Começou a carta com tanto pudor que tentou falar sobre o tempo, mas logo o assunto acabou.
Do que poderia contar além da saudade daquelas sensações homéricas, de quando o corpo falava mais que sua poesia e ela não podia fotografar aquele orgasmo nem os espasmos vindos depois, nos músculos que se contraíam até à câimbra?Mas tudo seria um silêncio azul se ela não pudesse dizer e, naquele momento, suas palavras eram vermelho-fogo,vermelho-sangue, vermelho-aceso, líquido-espesso-quente cuidadosamente derramado.Só que as palavras não se aproximavam da sua ardência e quando escrevesse, tudo seria passado.E a solidão da escrita era esse enroscar de dedos na caneta...
Porque havia um oceano que separava as suas mãos do rosto dele.


*



Marla de Queiroz

16 comentários:

"Monica Mamede" disse...

Putz

Eu não sei mais se choro ou se rio, no de-lí(terário)rio.

E claro, nada mais audacioso do que registrar esse momento escrevernãoescrever e o que vaiserquejáfoiequemsabe de sempre: "Só que as palavras não se aproximavam da sua ardência e quando escrevesse, tudo seria passado.E a solidão da escrita era esse enroscar de dedos na caneta... "

É, eu volto. rs

Beijo

Anônimo disse...

Marla... suas palavras sempre inspirados...quando leio teusversos e como se aprendesse a esrever sentido cada palavra...
obrigada, então...

Pattricia

Anônimo disse...

E enroscou a caneta nos dedos e a saudade escorria no rosto. Ah o mar denso separa corações, mesmo. O amor fica parecendo um marinheiro torto no meio do mar. É mandar um HELP em mensagem de garrafa e deixar o mar levar e o resto é a vontade e esse choro na beira da praia, do lado de cá.Riodaqui aí, com você. Paulo Vigu

Alê Quites disse...

Texto e fotografia perfeitos.
Boa semana!
Beijos*

A Autora disse...

É bela ...as palavras por vezes nos deixam na mão mesmo...feitos as reproduções de quadros originais, aonde o cheiro da tinta é seco....
mas algumas pessoas , feito você, têm tanta intimidade com qualquer letra ...que tiram do alfabeto as ferramentas para prender o folêgo de quem lê e levar estes submissos "passageiros expectadores"à lugares improváveis...

adorei as tuas versões...
beijão
boa semana
Carol

Anônimo disse...

meu deus! como vc é linda! e eu conhecia apenas um de teus escritos, que começa mais ou menos com "nunca fui uma moça bem comportada" e te imaginava completamente diferente; uma coroa meio vivienne westwood da literatura.
hoje googlei teu nome e encontrei teu blog, nao resisti em te escrever. :)
muito prazer!
muito sucesso, muita inspiração - porque talento não te falta -, e muitos, muitos escritos!

Lubi disse...

Engraçado como me vi nas suas palavras. Num momento sem modéstia.

Admiração.

Beijo.

Juliana Pimentel Pestana disse...

Minha flor... lindo!
Lindo texto que casa com a linda foto que só poderiam vir dessa lindeza de pessoa-poeta, fonte de inspiração pura. Vc nasceu pra irradiar essa luz... toda que vez que te vejo tenho mais certeza disso.

Bjão meu cheio de sorrisos.

Anônimo disse...

Eu já escrevi uma carta da praia, eram as últimas páginas de uma carta de quase 40 páginas. Eram folhas brancas e eu dizia que o amor não existia mais... Mas era mentira, daquelas que a gente conta porque acha que vai parar de chorar. Ainda não parei... e lendo seu texto eu me lembrei da dor que senti. :'o/

Beijos com amor.

Luiz Zonzini disse...

volta à mensagem da garrafa, um reflexo, o oceano rico de tudo aquilo que não cabe em nenhuma carta.

Cecília Braga disse...

Airumã,

Por demais de lindo!!!

eitaa!

=***

Clóvis Struchel disse...

Que mergulho, Dona Marla!
Coisa boa te ler...
Sempre encantada.


Meu beijo, flor.

. fina flor . disse...

Bela, sempre que estou com Cairo falo de você e da beleza dos seus textos.

Minha maninha que virou sua fã de carteirinha e sempre que vem para o Rio diz que quer te conhecer, precisamos marcar algo!!!

Ó, se não foi à Bienal, ainda, fica a dica: estarei me apresentando na sexta 21/09, no Jirau de Poesia, às 18h. Seria uma ótima oportunidade para nos conhecermos pessoalmente, né? Se já foi, ótimo dia para um repeteco, rsrsr*

beijos e até,

MM.

Pathy disse...

Lindo!! Adorei o que vc escreveu!

Eu achei seu blog sem querer, mas adorei!
Espero que não se importe, mas adicionei seu blog na minha lista, tá!!
Passa lá pra dar uma olhada...
=)

Camila Lemos disse...

Que recorte lindo,nêguinha...

Ainda bem, que para a moça da distância, há memórias de pele e o vermelho pinga...Mesmo que um tanto claro.

Um beijo,menina-nêga-linda.:)

Anônimo disse...

Porque?

Postar um comentário

A poesia acontece quando as palavras se abraçam...