Havia uma inquietação no ar.Alguma coisa misteriosa que impulsionava maus presságios.Vestígios da noite passada ainda compunham o cenário do quarto.A presença toda dele depois de tanta ausência.Os dois recém-saídos da mesma história, reféns de seus afetos, carências e, novamente aquela urgência de fome um do outro sendo consumada naquele espaço.Não sabia ao certo como foram parar ali, quem propôs o quê, quem pagou o táxi. Fora a quantidade de preservativos usados, pouca coisa tecia um detalhe ou outro.Olhou ao redor, o corpo afundado na cama, uma indisposição de retornar à rotina, a preguiça de fazer um café amargo pra curar a ressaca. Cortinas fechadas, um fiapo de dia recortava desenhos na parede azul.Em algum momento quis olhar pela janela: a paisagem cinza, não havia sol.E o passado instalado ao lado direito da cama, impregnando o lençol com o cheiro dele tão familiar, quase esquecido.
Relembrando o encontro na noite anterior,nem sabia que quando o viu ainda havia um pingo de saudade daqueles olhos bêbados.Estavam alegres no mesmo bloco, amigos perdidos na multidão. Fizeram-se companhia e depois do gole na cerveja quente, um beijo. Cansados, sentaram na areia contemplando o mar e dissertaram brevemente sobre suas vidas: tanto tempo, outros namoros terminados, referenciais desfeitos, uma ou outra paixão platônica, mas nada tão intenso, tão estável, duradouro.
“ Você encontrou, finalmente, a sua mulher ideal?”...” Sim, mas a perdi de vista quando não acreditei que eu a merecia”...” E você, amou alguém?”...”Talvez, parece que depois que acaba não se sabe mais ao certo o que nos uniu”.
“ Você encontrou, finalmente, a sua mulher ideal?”...” Sim, mas a perdi de vista quando não acreditei que eu a merecia”...” E você, amou alguém?”...”Talvez, parece que depois que acaba não se sabe mais ao certo o que nos uniu”.
Ele ainda dormia quando debruçou seus olhos naquela imagem e sentiu um restinho de saudade de abraçá-lo como antes, de encaixar-se naquele corpo, abandonada. Foi então que ele abriu os olhos.Aqueles olhos bêbados. Em seguida abriu um sorriso, os braços e a puxou pra perto. Beijou sua testa, seu rosto e disse um "bom dia" preguiçoso antes de vestir a roupa com uma expressão impune.” A gente se vê...”, disse juntando a chave, a carteira, o celular...” Te ligo qualquer dia desses...”fechando a porta atrás de si.Deixou-a com a frase evasiva ecoando, costurando desfechos.Deixou uma inquietação que se pensava superada.Agora restava recomeçar algo que parecia ter completado, teria que recomeçar a esquecê-lo.
Afundou a cabeça no travesseiro, cobriu o rosto com o lençol e tentou retomar a consciência de que os elementos que tinha não eram suficientes pra recompor um romance despedaçado.Talvez apenas lhe rendesse mais um desses poemas que doem.
*
*
Marla de Queiroz.
P.S.: Texto escrito para revista DROPS RIO 2ª Edição.
13 comentários:
E como estes poemas doem ...
Quisera eu saber fazer poemas .
Saudades de suas lindas palavras.
Beijos e bom feriado.
é sempre bom ler um poema de qualidade.
de qualquer jeito meu blog é novo e seria legal
se você desses dicas ou criticas.
http://chaverde.wordpress.com
Agradecido.
Uau! Well...
Que dizer pra expressar? Talvez...'amei'?...
;)
Beijo.
hummm, esse texto lindo eu já conheço, bem oportuno!!!!
poemas que doem... fico pensando: qual não dói? ainda que gozo, vem de uma tensão de urgência.
linda, te adoro!
poetabraços
clauky
Nós homens somos uns crápulas. Acho que vc sabe disso...
Ótimo texto
Marla, querida. Tinha te achado pela net e te adicionado nos meus favoritos. Aí perdi tudo. Formatei essa bodeguinha e nunca mais tinha tido oportunidade de ler seus textos tão bem escritos. Que bom que te reencontrei.. que bom que cheguei aqui e encontrei um texto maravilhoso.. que bom! Agora estás guardada entre meus preferidos de novo. Volto mais vezes. Beijo e tudo de bom. :)
Recomeçar a esquecer...
é uma tarefa difícil e árdua...
e também dói como alguns poemas...
Parabéns, Linda! Você vai brilhar cada vez mais!
Tá uma uva este texto!
Gy
Marla, estou totalmente viciada nos seus textos!!! (aquela historia do mar e da ira é demaaaaais!!!!)
Não pare nunca de escrever!!!!!
bjs
Mas "trotando em minutos" ... Eu não vou lhe dar o enorme prazer de me ver...
Pois é morena, fui lendo e ouvindo mentalmente a música do Chico e do Francis Hime.
AbraçoDasGerais.
Das inquietações daqueles que entram e saem das mesmas histórias. Da fome ao café que cura bebedeiras. Coisas entre prazer, corações batucando e contagio entre peles. Se tudo isso não paga, a poesia de Marla cobre a proposta. Riodaqui/Paulo Vigu
Melhor a cada edição!
Êita coisa forte! Visceral, dolorida.
Dá uma pontada na garganta, vontade de chorar, despir-se de tudo.
Lindo, emocionado e salgado, como as lágrimas de salinas...
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A poesia acontece quando as palavras se abraçam...