quinta-feira, outubro 28, 2010

Matrioska- a primeira versão- da autora



Ilustração: Kurt Halsey

P.S.: Eu escrevi o texto abaixo em agosto de 2007. Mas gosto tanto dele que resolvi trazê-lo dos arquivos pra compartilhar novamente. Ele tem uma continuação que será publicada posteriormente. Espero que gostem.

Eu omiti que ia publicar um livro com a nossa história real. Foi de pirraça e de amor não correspondido eu ter escrito aquilo tudo. Mas saiba, eu cuidava pro meu coração não acreditar naquela raiva, você sabe, eu não sinto assim, eu não sou assim. Eu só consegui, mesmo com meu coração tão apertado, falar do amor do jeito que a gente acreditou um dia nas primeiras frases. Depois tive que escolher cada uma daquelas palavras ácidas porque não podia levar teu personagem pra guilhotina_ o protagonista não pode morrer no meio da trama. Mas eu não sabia mais o que fazer com você, eu queria desistir do teu personagem porque me doía inteira ele sendo. Escrevi desgostosa tuas desventuras, entenda, eu era a narradora onisciente, eu era deus naquela ocasião e você havia me magoado tanto na página 143.Pode parecer loucura, mas não fui eu quem escolheu você me abandonar naquele café metido à besta, nunca tomei um café que custasse tão caro só pra chorar depois em meio àquela gente cheia de pose. Não podia ser num cenário mais mal-composto. Como autora, eu pensei que pudesse ser a mulher mais incrível do livro, a mais interessante.Mas parece que teu personagem foi me dominando, querendo me magoar em público.E, quando eu achava que tinha todo o controle da situação, você me surpreendeu no final do capítulo cinco, querendo enfiar tua vida numa mochila e ganhar o mundo fora das minhas páginas. Você querendo todas as mulheres que poderiam ter sido minhas amigas. Desculpa eu ter sentido tanta raiva, mas as pessoas vivem essas coisas, até as mais espiritualizadas.Eu tive muita raiva de ser a narradora de uma história que eu não controlava mais. Você podia ter me poupado da sua autonomia, mas saiu, no meio do parágrafo, atravessando as ruas, saltando minhas vírgulas, tropeçando minhas aspas, desrespeitando meus parênteses. Eu tinha escrito uma cena na praia, no finalzinho da tarde, essas coisas que englobam uma lua inédita e cadernos espalhados em cima de uma canga colorida enquanto o casal toma um banho de mar num clima romântico.Mas a sua rebeldia me fez correr atrás de você e discutir a relação num capítulo inteiro, em cima daquela faixa de pedestre, tentando arrancar tua mochila enquanto os motoristas buzinavam furiosos por causa da baixaria debaixo do sinal vermelho-verde.Você bagunçou todo o meu roteiro.Foi por isso que dificultei a tua vida e te dei mais defeitos que charme.Eu queria ferir tua vaidade usando teu nome e sobrenome verdadeiros para que não houvesse dúvidas de que era sobre você que eu estava falando.E soterrei todas as suas qualidades naquele bloco de texto.Foi por isso que meu final feliz incluiu um casamento com um diplomata que não era você, no mesmo dia em que te fiz perder o avião pra Londres.

Eu omiti que ia publicar um livro com a nossa história real porque eu não queria que você descobrisse, antes da primeira edição esgotada, que a tua crueldade ia me render um best-seller.
*
*
*
(continua...)

P.S.: Meu livro "Flores de Dentro" com dedicatória: R$ 30,00 (frete incluso). Interessados mandar e-mail para mim: marlegria@gmail.com

Marla de Queiroz

6 comentários:

Giuliana disse...

Minha linda, vc escreve de um jeito que a gente se percebe inserida na história, vivendo cada momento. Você me fez refletir sobre porque não mandar p/ guilhotina o galã? Melhor assim, para que como vc mesma escreveu para a crueldade dele lhe render um best-seller. Mas que dá uma vontade louca de dizer E CORTEM-LHE A CABEÇA no meio do livro, isso dá (rsrs). Bjsssss

Anônimo disse...

Inacreditavelmente real. Eu me emocionei quando li; é tão estranho encontrar histórias tão parecidas!
O texto é lindo, parabéns, parabéns, parabéns, se um dia eu escrever como você serei feliz.
Beijos. :*

Rener Melo disse...

Adorei: "você me surpreendeu no final do capítulo cinco, querendo enfiar tua vida numa mochila e ganhar o mundo fora das minhas páginas."
Sem palavras: "Eu tinha escrito uma cena na praia, no finalzinho da tarde, essas coisas que englobam uma lua inédita e cadernos espalhados em cima de uma canga colorida enquanto o casal toma um banho de mar num clima romântico."
Marla, lindo o texto. Você, sempre arrsando,rs. O Beijo <3

Natyy disse...

Eu não consigo dizer outra palavra, à não ser: SENSACIONAL!!
É impressionante como encontro paz nas tuas palavras. Toda vez que estou extremamente feliz ou triste(como agora), venho aqui ler alguma coisa. Sempre entro com o pensamento: Tomara que tenha algo que me alivie essa dor.
E é SEMPRE exatamente sobre o que estou passando. Inclusive agora, a parte de criar expectativas e planejar algo na praia (na praia dos namorados, em Guarapari, para ser mais exata). Rsrsrs...
Tuas palavras me fazem melhorar e isso... É um dom de Deus!! :)
Como sempre, parabéns e OBRIGADA pelas palavras. Esse texto quase senti que foi escrito especialmente para mim. :)
Beijos, sua fã.

Déborah Simões disse...

Amei.

Ana Paula Dilger disse...

Lindo texto!!! Me emocionei muito ao lê-lo.
Parabéns pelo seu talento!!!

Abçs,

Ana

Postar um comentário

A poesia acontece quando as palavras se abraçam...