Mas o que é minha vida além desse amontoado de palavras? É como se elas fossem um embrulho incrível envolvendo uma imensa solidão. Enquanto todos aspiram amores e coisas materiais, eu aspiro a verbalização daquela sensação indefinida, a metaforização do ato sexual mais cru e a possibilidade de colocar poesia onde não há.
Eu sigo brigando com essa limitação da linguagem, de vocabulário. Eu sigo tentando racionalizar a minha loucura como quem luta desesperadamente contra um câncer.Às vezes, tudo que preciso é de repouso intuitivo, mas as vozes, as vidas, os personagens que criei não dormem: seguem trepando, tramando coisas, sofrem, amam, nunca, nunca calam. E quando se revoltam, me omitem detalhes importantes da trama, do desfecho, me impedem de desenvolver aquela cena, escondem o rosto naquela hora em que poderia ter sido a mais perfeita foto 3X4.
Eu sigo tentando construir signos novos que repertorizados abrirão possibilidades até então inexistentes. Como quando eu digo que o dia acorda ou que a dor cochila.Como quando eu sinto que o silêncio espreita o meu grito interno.Como quando eu berro que namoro o vento. Como quando eu falo que o amor morreu, quando ele não morre.Essas coisas todas que eu digo e que vocês conhecem.Essa vida inspirada nessas dores contadas e que eu vivo quando escrevo.Essas paixões tão idealizadas e inventadas que me custam a perda do apetite, o aumento da libido e o aperto no peito. Esse acordar sem paisagens possíveis porque as teci como quando se pinta uma aquarela que não seca nunca...E as cores continuam dançando na tela e apresentando novos caminhos.Essa vida presa do outro lado da janela.
Eu não caminho por estradas, mas por frases. Eu determino destinos enquanto o meu me escapa.Eu não entendo esses momentos de raiva ou de amor por pessoas que nem conheço e que criei com a força da minha fome de dizer, de dizer coisas sobre tudo que habita em mim como idéia vaga e fugidia...essa mania que tenho de tentar aprisionar sensações que não admitem tutelas.
Eu entendo que talvez eu tenha sido cruel com alguns destinos dos meus personagens, mas a vida toda é essa oscilação de boa sorte e tempos miseráveis em que tudo que a gente pode fazer é esperar e pagar pra ver...Ou rezar pra que passe logo, ou pedir pra que o tempo pare. Essa negociação eterna que todos fazem durante seus dias, pra que sejam úteis também os sábados, domingos e feriados, eu faço com a palavra. Eu sei que ela não silencia, mesmo quando digo que. Silenciar não é emudecer.Mas ela muda de casa, ela explora outras áreas, ela viaja pra outros templos.
E, humanizada como está na minha vida, e materializada como é nas minhas histórias, tem temperamento, e, de repente me abandona como quem descrê do relacionamento que acreditou um dia. Ela me cospe na cara uma incompetência de dizê-la. Ela me atira restrições e pré-requisitos de leituras para que se ofereça a mim novamente. Então ela diz: atualize-se, desgarre-se desse estilo, descubra o seu, experimente essa narrativa, escolha outro elemento, vista este personagem com mais elegância, dispa essa cena de sexo, pronuncie pau, buceta, caralho, ao invés de pênis, vagina, ânus.Se exceda!.E, às vezes, eu não sei ou não quero ou não posso.
Não adianta espalhar flores pela casa quando o inverno é semântico.Não adianta mudar o título do texto quando o problema é a falta de assunto.Não adianta usar de artifícios quando a verdade se ausenta.Não adianta pintar um outono e tombar folhas secas, quando a vagina só ficará molhada se você a chamar de buceta...
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Marla de Queiroz
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P.S.: As outras versões aqui.
11 comentários:
Perfeitooooooo, como todos os outros textos!!!
já te disse que vc, sempre faz parte do meu perfil do orkut? pq vc escreve lindamente e me toca pra caramba...
parabéns por ter esta alma tao bela!
bjs e bom final de semana
Oi...eu vim aqui algumas vezes e li aguns textos seus, mas hj quando acabei de reler este em especial, eu me identifiquei demais. Esta busca pela palavra, pela inconstância, pelo paralelo das formas, o modo de escrever, de criar uma imagem de acordo com suas lembranças, de querer passar o sentido e a intensidade da cena que está na mente, de buscar novas perspectivas para descrever o mesmo fato, acho que foi isso o que vc quis falar, ou pelo menos foi isso q entendi, consegue me afetar tb. Esta busca por novos caminhos, tentando às vezes inventar palavras que não existem ou mesmo expressar aquilo que está no pensamento de forma mais concreta e realista para q as pessoas entendam... Disso eu tb sofro, a busca por quebrar um limite ou versão q eu sei que existe, mas que na maioria das vezes não consigo encontrar.
(www.lapsodememoria.zip.net)
Xro.
"Não adianta espalhar flores pela casa quando o inverno é semântico.Não adianta mudar o título do texto quando o problema é a falta de assunto.Não adianta usar de artifícios quando a verdade se ausenta.Não adianta pintar um outono e tombar folhas secas, quando a vagina só ficará molhada se você a chamar de buceta..."
Ai, ai. Doeu ... beijos
Arrebatadora Marla de Queiroz.
Tão profundo em sua vastidão de nuances, de uma clareza que se alarga a cada linha e vai iluminando, primeiro o olhar, os lábios que esmiuçam sorrisos, logo em seguida o rosto, o corpo, a alma, o quarto, a casa e quando vejo faz sol na rua às 21:43 da noite...
Porque a Marla tem dessas coisas.
Tem sim...
Faz sol em sextas chuvosas com palavras que emanam vida.
Beijos tantos, flor.
Que Força!!!
Amo.
E já que é pra se exceder: Puta que pariu!
Não vou falar de versos, em versos, de poesia, nem em poesia.
Vou falar de quem habita as palavras, de quem constroe as frases e passeia por entre elas como quem já conhece o seu destino, o fim... como quem sabe onde cada vocábulo vai terminar, mas prefere viver o deleite de acompanhá-los até a sua eternidade.
Você tá pronta pro mundo, flor de luz. Se lança... se lança!!!
A vida é urgente, a vida é agora.
Amo e torço muito!
Bjos meus,
cheios de abraços...
Incrível!
Não tem jeito, você já é uma das minhas preferidas depois da "Clarisse" e etc. É a medida certa para o meu (bom) gosto. Cabe direitinho!
Beijo, beijo, beijo.
Com admiração,
Gabriela Cioch.
"Não adianta espalhar flores pela casa quando o inverno é semântico.Não adianta mudar o título do texto quando o problema é a falta de assunto.Não adianta usar de artifícios quando a verdade se ausenta.Não adianta pintar um outono e tombar folhas secas, quando a vagina só ficará molhada se você a chamar de buceta..."
Perfeito!!!
Beijos.
Marla, adorei o texo!
Voltarei sempre!
Beijos
Simplesmente perfeita...vc realmente é um mar...e já que é pra exceder...PQP...vc é PHODA
Beijos
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A poesia acontece quando as palavras se abraçam...