
Eu entendo a sua omissão ao publicar o nosso romance, só não entendo o que você chamou de "nossa história real”. Em momento algum você me perguntou se eu queria ser o protagonista disso tudo. E, de repente, me vi preso numa imagem, num rosto que você esculpiu, num temperamento, com desejos e personalidade que não eram meus.
Sempre gostei de você, da tua intensidade poética, mas quando me enfiou naquele capítulo com uma lua derramada de mel, senti enjôo e sono:eu não queria aquilo, aquele dia, naquele cenário com o par perfeito. Eu queria um porre num copo sujo e todos os cigarros que nunca fumei. Eu queria a companhia dos iconoclastas, as profundezas do obscuro_ (dessas necessidades que a alma tem vezenquando e que não existe delivery pra isso.)
Eu precisava ir, vivenciar e aprender. Não queria cheiro de xampu e maquiagem. Eu queria tragos de cachaça e alguma música triste na voz de um desafinado.Queria a quebra de página inconcebível, o verso mais embriagado, inovador e incoerente. Nem queria o clichê do futebol com os amigos, da prostituta de luxo me dando de graça. Queria tua revolta, a cuspida na cara, você fervendo de um medo sem camuflagens. Mas teu amor sempre foi higiênico demais, espiritualizado demais, saudável demais... Uma trepada tântrica com uma quase psicóloga-holística-bonita-e-ninfomaníaca-divertida-e-boêmia num boteco do Leblon....(não me excitava esse parágrafo.)
Eu era o karaokê na Lapa depois da sinuca. Um eremita. Você queria o super-homem-bom-de-cama-e-estiloso. Eu era a fratura exposta, o retrato da fragilidade, precisava do contato com aquela dor. E você, narradora onisciente, não me respeitou quando me enfiou numa praia bonita, me deu banho de mar pedindo pra eu alimentar o meu plexo solar, toalhas limpas cheirando a confort e um talento qualquer pra justificar sua dificuldade de se desvencilhar de mim... (mesmo sabendo que eu não era nada do que você havia idealizado).
Eu sei que você omitiu que publicaria um livro sobre o nosso romance, mas o que não percebeu é que a nossa história era real pra você, naquela hora, mas meu personagem não. A nossa história foi real pra nós dois, em todos os nossos momentos, mas não foi a mesma.E o que me restou foi guardar tuas ilusões na minha mochila pra partir, sem segredos. (Foi quando, finalmente, você resolveu perder a compostura tentando me arrancar das costas a história que omitiu dos seus leitores).
Já era tarde. Eu demorei muito tempo pra me libertar das tuas frases. Eu levava ali_ e só você sabia até então_tuas inseguranças e minhas recusas, minhas inseguranças e tuas compreensões e eternas justificativas pro que quer que eu diga ou faça. Sempre derramei minhas verdades sem dó nem piedade, nunca lancei mão de entrelinhas. Era a minha recusa à submissão de ser teu homem-alguma-coisa, belamente adjetivado com teu pronome possessivo predileto.Eu era o teu arquivo vivo.E um espetáculo na faixa de pedestres debaixo do sinal vermelho-verde, amarelo.E a frustração da metáfora irrealizada no meio de um soneto quase impecável, de tanto amor incerto. Eu não podia oferecer nada além de um fiapo de dia no meio da madrugada.(Insultuoso foi você querer de mim algo que sabia que eu não podia ou queria dar).
Agora é tarde pra que eu vire o personagem adorável do teu livro.Escrevi no meu o direito de resposta aos teus poemas distorcidos.Nossas histórias clandestinas revelei com adornos de verdade e pimenta. (Enjoei do teu chá de camomila).
O que te doeu, entenda, não foi o que eu te trouxe à tona indo embora, mas o que fiz por mim quando fui.Eu não te abandonei, eu apenas respeitei essa vontade que tive de ir.
Você queria um romance, eu fui um conto breve sem pontuações definidas.
(Ou alguém que sempre vai te amar da maneira errada).
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Marla de Queiroz
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(continua...)
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Marla de Queiroz