
Encontrou nas prateleiras de um sebo, pilhas de livros
com suas histórias despejadas nas dedicatórias.
Fragmentos de amores amarelecidos, vestiam palavras sem data:
Num Milan Kundera,
(um guardanapo e uma flor esmagada entre as páginas:)
“ A Insustentável Leveza do Ser”...só o título.
Num Manoel de Barros:
“Que teus-olhos-meus percorram estas páginas
ressarcidos das linhas que foram roubadas
pelos caminhos que os cupins traçaram.
E que te fizeram chorar feito menina,
com a cabeça apoiada entre as mãos,
antes de nos amarmos pela primeira vez.”
Num Jorge Luis Borges:
“ Uma lembrança discreta
“ Uma lembrança discreta
(literária)
de noites que,
(amiúde)
de noites que,
(amiúde)
entre farrapos de sono,
perdemos nossos corpos
perdemos nossos corpos
nas cores de um mapa mundi.
Com carinho.
P.”
Numa Clarice Lispector:
“ Desfaço-me de tua musa,
porque os mistérios de Clarice
foram feitos pra tua curiosidade.
Sei que passeará teus olhos atentos
em cada grito abafado dessa mulher,
e que cada grifo teu trará pros nossos dias,
reflexões lindas e intermináveis.
Em tuas mãos agora:
meu livro dela,
meu amor teu."
Num Caio Fernando Abreu:
“Que te faça companhia nas noites
em que estarei ausente.
(Já sinto ciúmes dele)
Saudade já se faz presença.
Te amo (com erro sintático).
Volto logo.”
Num Guimarães Rosa:
“ Você é minha Diadorim.
Trouxe de longe pra ti
o sertão que nos fez amantes,
a literatura que nos aproximou tão de imediato.
Sou grato para sempre ao Rosa.”
Numa Hilda Hilst:
“ Tua poesia e a dela são casadas.
Me apaixonei pelas duas.”
Num Herman Hesse:
“ Por tuas febres, por tua fome de mais vida,
por tudo que dói em você pleno de existência
e pela beleza que bota nas coisas através das palavras.
(Sei que esse cara é meu rival, mas faça bom proveito.)”
Num Gabriel Garcia Márquez:
"Cem Anos de Solidão...uma declaração de amor às avessas..."
No livro de uma autora contemporânea desconhecida:
“Para o homem que me ensinou a escrever ( e viver) romances
quando eu só sabia tecer dramas."
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Marla de Queiroz
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Marla de Queiroz
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P.S.:
Esse post nasceu de uma situação que vivi. Estava voltando pra casa a pé e, como é de praxe, entro em todos os sebos que encontro pelo caminho e fico algum tempo fuçando livros...sou viciada naquele cheiro doce das páginas velhas.Em um deles, com um título que dizia algo sobre histórias de amor entre meninas, li uma dedicatória de uma moça tão apaixonada por outra, tão delicada, tão cheia de segredos íntimos de alguém entregue a uma história recém-descoberta e, pelo que parecia, recíproca, que fiquei pensando naquele livro ali, vendido pra um sebo com tanto amor pulsando vivo naquelas palavras adolescentes.Lembrei dos livros que ganhei, das dedicatórias que me escreveram, das coisas lindas que posso relembrar toda vez que os revisito. Fiquei pensando no desapego de quem se desfaz assim, não só de um livro, mas de uma história.Porque têm dedicatórias que compensam a leitura das páginas que nem sempre tocam fundo.
Esse texto nasceu do que posso imaginar quando pago por algum livro num sebo e trago pra casa uma dedicatória alheia.E, apesar do meu apego às minhas dedicatórias, já me conformei com a perda de vários livros que emprestei, porque ainda acredito que são eles quem procuram seus donos.
Esse texto nasceu do que posso imaginar quando pago por algum livro num sebo e trago pra casa uma dedicatória alheia.E, apesar do meu apego às minhas dedicatórias, já me conformei com a perda de vários livros que emprestei, porque ainda acredito que são eles quem procuram seus donos.