quarta-feira, fevereiro 14, 2007

Sofia De Lira (sobre a raiva)


Foto: Eduardo Carlos
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Ah, deixe-me reclamar um pouco de tudo e querer coisas absurdas como alfabetizar o sol! Eu sei quão bela é a vida, sei que as coisas que não são fáceis inda assim são simples.Mas quero berrar minhas angústias até fazer as pazes com meu silêncio novamente.
Ah, deixe-me experimentar essa ira e dar socos no ar até trincar o vento que vem de encontro aos meus passos dando mais peso e lentidão a minha caminhada.Meu grito ou choro não é falta de esperança, é um respeito profundo por mim quando me sinto fragilizada.Se estou dramática, ainda não cheguei aonde quero: quero ser trágica!

A inquietação tamanha desses dias todos me arrastou pra praia com papel, caneta e uma raiva enorme de tudo.Cheguei arrastando a cadeira, entediada, e o mar estava mais violento que eu, me redimindo. Tão agressivo, era capaz de engolir um corpo, uma gaivota e de cuspir cristais de sal na brisa doce.(Por que eu deveria estar mais calma que ele?) Fiquei foi com inveja do seu poder de arrebentar tudo com tamanha simplicidade e destreza.E de cuspir o lixo acumulado deixando na areia um retrato dos maus-tratos: restos de plástico, pombos e moscas sobrevoando a podridão.Porque, assim como ele, eu não engulo sapatos.

No meio de toda raiva sendo expulsa, pensei por que não se pode ser autobiográfica ou agressiva sem pedir desculpas com tanta antecedência. Quero só olhar, sem observar, sem absorver.Quero dizer sem atribuir juízos de valor, só pra desabafar.Quero poder sentir essa raiva sem ter que lidar com a indignação de quem me quer doce e positiva sempre porque se acostumou.E depois, quando a raiva for embora, não pretendo me resgatar, mas me reinventar e ficar o tempo que for necessário me redescobrindo...

Não queria ter de pedir licença pra honestidade neste espaço, mas seguindo a moral e os bons costumes, eu peço delicadamente:
Pra você que leu esse texto até aqui, por favor, se pretende comentá-lo ( não quero intimidar ninguém), não me deixe um consolo, um conselho ou termine com um "fique em paz".Não quero que me roubem um segundo dessa fase, desse instinto primitivo, ele é precioso.A paz eu conheço e ela não está ausente, só quero experimentar até aonde meu ser alcança, a totalidade. Eu quero estar plena de todas as emoções pra que elas não me governem, mas passem por mim. Quero me permitir cada segundo desse ranço, porque eu o sei tão transitório quanto o maior dos mais definitivos amores. E se ainda assim quiser deixar o seu rastro, me fale de tua dor, tua alegria, tua conquista, tua pendência, teus planos, tua raiva, me conte uma mania tua, compartilhe tuas belezas comigo para que eu possa aprender com elas.
E me deseje inspiração ....( a única coisa que quando falta, me tira a paz).

PS: Só lamento este texto ter sido escrito num dia de tanto sol.
PS2: Não lamento coisa alguma!
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16 comentários:

Anônimo disse...

Não adianta, Dona Encrenca!Tua "raiva" só amplia tanta beleza...Você tem propriedade pra falar de qualquer assunto,és sábia demais!Sempre saio outro de qualquer encontro despretensioso que seja.
" Me perdoe a pressa", mas é tão difícil pra mim...

Anônimo disse...

Eita... Eita...

Sem palavras...
Mas totalmente FELIZ!!!
Bom ver que o "oráculo"
se permitiu e se permite!!!

Bjs com amor inexplicável...

Cacau.

Anônimo disse...

Ahn...

Adoro a raiva. Ontem tive um ataque de fúria, quase destruí a copa...

No fim foi embora um relógio, dois quadros e um celular velho...

Hum...

Raiva é bom pq precede o arrependimento e a autocompreensão. No fim qse todos se salvam...

É isso, guapa. Bom texto

Anônimo disse...

Você é maior porque se permite sentir. Nunca fiz isso. Sempre reprimi, guardei e (me) feri.
Ainda hoje sofro com a raiva, o amor, a mágoa do passado.
E quer saber? Não vale a pena. Vale mais a pena quebrar vidros e quadros, gritar e gritar...
Vale mais a pena viver cada sentimento no momento em que ele nasce. E matá-lo (se for o caso) ali mesmo.
Belíssimo texto.

Beijos.

Bela disse...

Minha-flor-do-cerrado, que saudade!!!
Eu tb andei meio espinhosa, ácida, silenciosa e sobretudo impacientíssima!
Daí que todos os hábitos me davam arrepios, os horários me davam enjôos e os velhos vícios me arremetiam contra a parede numa imensa enxaqueca emocional!
Coisa mais linda é isso...a gente ter mais de mil, milhões, zilhões de emoções. Quero mais é me cercar de gente que se permite esses excessos: de fúria, sofrimento, dor, alegria, gozo e amor! O resto, beibinha, eu tô passando!
Minha frase do período é: te acostuma ou run, Forest, run!
hahahahaha
Liamo. Saudade rôxaaaaa

Bela disse...

Sou eeeeeeu, Bela!
...quem é xis pelamordedeus?
hauhauhauhhauhauha
Até o 'sobrenatural de almeida! anda passando por aqui!!!
hahahahahaha

Anônimo disse...

tive que comentar os ps..
é isso ai..rss

quebra tudo..
dona marla..
mas permaneça inteira..

te amo..
e te odeio..
as vezes ce sabe..

bjs..
ou não..

Anônimo disse...

Eu gosto de às vezes moder o lábio inferior...
Eu poderia citar outras manias, mas esta me apetece :)

Anônimo disse...

A moça explodindo, inquieta (como muitos nesses dias) a berração da feira, nesse cuspir do dia em alguém. Deixa Marla de Queiroz explodir aqui. Ela é a arrebentação e o desgoverno, mas saiba que quando a moça quiser ela lança outra alegria mais clara. Eu conheço. É quando a vejo falando de amor. Riodaqui é aguadouro e deixa o beijo na pedra, cuja dona é Marla. Paulo Vigu

Anônimo disse...

Ah, minha menina furiosa...
Leio, releio, penso, repenso,relembro cada palavra dita daquele jeito que vc tem de dizer as coisas mais tristes com um sorriso na cara e de, repentinamente, franzir a testa como quem vê uma cena ruim, mentalmente...Tá tudo guardadinho aqui, tá?
Te...sempre.
AQUELE beijo!
Saudade que não deixa sossegar.

Anônimo disse...

possuo a (talvez) mais estranha mania: a de ter fé na vida. isso implica, vezenquando, irar, socar, berrar, estrangular, odiar e, sobretudo e deliciosamente, soltar uns sonoros, abençoados e terapêuticos palavrões... no mais, é igualmente delicioso constatar que isso também passa. té +

Anônimo disse...

eu acho saudavel gritar dentro de travesseiros às vezes.
inspiração então, dona Vlap!
e o maior dos beijos

Juliana Pimentel Pestana disse...

Bem vinda ao mundo, Sofia... ao nosso mundo.
És extamente o oposto, o contrário, o outro lado que compõe essa essência evolutiva, eruptiva que aqui escreve, que aqui derrama.

... e a foto casou tão perfeitamente...

bjos meus.

Rayanne disse...

Ah. Vulcão em erupção.
Queima tudo em volta,
soterra o que era,
recria a paisagem:
renova.

Marla vulcão,
porque sim,
tava na hora
de você rebentar num grito
a intensidade engolida.

Agora quando o espelho,
Uma face nova, mas que
tú possas reconhecer,
assim, uma Marlarida de fogo.

Porque assim: intensa.

Amo você.
Sempre.

***Estrelas observam***

(e eu só te peço: SEJA, não deixe de encantar as palavras, que se enfeitiçam de ti)

diovvani mendonça disse...

Você pode morena: berrar angústias, socar o ar, gritar, chorar, cuspir cristais de sal, o lixo acumulado, tudo isso e muito mais. Humanamente belo, seu desabafo. E esse negócio, de alfabetizar o sol? É um achado que, brilhará sempre em minha memória. AbraçoDasGerais.

Anônimo disse...

Que graça sentir a paz do amor correspondido, a serenidade da amizade compelta se não puder sentir a angústia do dia ruim, a raiva do mal inevitável? O mal e o bem se complementam. Permita-se tudo que desejar. Sentir-se mal ajuda a sentir-se bem.

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A poesia acontece quando as palavras se abraçam...